Escritora meritiense estuda panorama da literatura na Baixada Fluminense

Relação com o território e com as atividades culturais foram fundamentais para Mariana Belize

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Mariana Belize costuma afirmar que tem um compromisso afetivo com o território, uma espécie de caso de amor com a literatura e a Baixada Fluminense. Cria de Meriti, neta de paraenses, Mariana é mestranda em Literatura Brasileira pelo Programa de Letras Vernáculas da UFRJ, crítica literária e escritora. Atualmente toca o projeto Olho de Belize com o objetivo de conhecer e reconhecer escritores da Baixada Fluminense e poder traçar um panorama amplo e diversificado da produção literária da região.

A escritora explica sua relação com o território: “Minha história é a de uma mulher da Baixada, que vive a/na Baixada, que escreve sobre a Baixada, que lê a Baixada e não quer largar essa terra, sabe? Por mais bonito que Proust seja, meu caminho não é de Swann, meu caminho é aqui na Baixada Fluminense, saca?”.

Mariana Belize é de uma geração que alcançou voos inimagináveis se comparada com a geração de seus avós, por exemplo. O leitor pode se questionar quantas pessoas do seu ciclo social na faixa entre vinte e quarenta anos na Baixada não possuem avós migrantes, vindos geralmente da região nordeste. Desta forma, Mariana afirma que ter formação acadêmica é uma quebra de paradigma familiar graças a “um governo que investia em educação, sabe?”.

A inspiração da meritiense é a avó Joana. Analfabeta, Joana foi explorada por diversos patrões durante a vida: foi cozinheira, costureira e empregada doméstica. Segundo Belize, a avó construiu a própria casa com as próprias mãos. Por uma história de vida de superação da matriarca da família, Mariana aprendeu a ser forte e a ter orgulho de si mesma, das terras de onde ela veio, da terra onde nasceu.

Sobre nascer na cidade de São João de Meriti e viver a Baixada Fluminense, Mariana reflete que isso a fez ter mais noção do que é política em comparação com o que se aprende com livros teóricos. Da mesma forma investigar e estudar a Baixada, segundo Mariana, a fez ter mais compreensão do próprio país, dos seus fundamentos e de suas fundações.

“Curral político, coronelismo, corrupção, imprensa marrom, máfia das ambulâncias – o brutalismo de Rubem Fonseca é fichinha pra quem mora na Baixada, até porque a gente sabe desde cedo que não há heróis, nem vilões assim como nas histórias em quadrinhos – essa coisa assim dualista a gente sabe que é besteira”.

Já no universo literário, além de citar Rubem Fonseca, escritor brasileiro que faleceu em abril de 2020, Mariana também possui como referência Raduan Nassar, autor de Lavoura Arcaica, Ronaldo Lima Lins, autor de livros filosóficos. Já dentro da Baixada Fluminense a crítica destaca os escritores Guarnier, autor do Paiol de Poesia, e Elisabete Nascimento, autora de Exu no Paço Imperial.

Sobre movimentos e coletivos Mariana destaca o Sarau Donana, em Belford Roxo, como o grande despertador do que é “ser da Baixada”. No Sarau há a mistura de poesia, dança, capoeira, folia de reis, funk, reggae, rock, rap, entre outras manifestações artísticas. Outro movimento relevante para Mariana é o extinto Sarau Rua, de Nilópolis, idealizado pelo poeta Guarnier.

O projeto Olho de Belize, criado em 2015, possui a missão de oferecer visibilidade aos produtores da literatura da Baixada Fluminense e de combater a homogeneização das, de acordo com Mariana, figuras que sempre são apresentadas através de fragmentadas entrevistas ou como um bloco único. Outro ponto tocado por Belize é a inquietação com a distância entre o ambiente acadêmico e a sociedade:

“Conheço doutores em Literatura Brasileira cuja família inteira é migrante e da Baixada Fluminense, mas que não aguenta nem ouvir o nome de Belford Roxo que se arrepia todo, sacou? Ou seja, a questão nem é acadêmica, nem é de sangue: é de uma responsabilidade, de uma tomada de posição, de discurso e de ação, diante do território”.

O incômodo fez com que Mariana transformasse o aprendizado em ação. Através do projeto Olho de Belize, a meritiense realiza entrevistas com autores diversificados da Baixada além de também realizar pesquisa como crítica literária com o propósito de entender como cada autor pensa a literatura e o território.

Sobre o futuro Mariana fortalece o coro por tranquilidade. Idealiza o retorno dos eventos presenciais como o Sarau Donana, reabertura da Biblioteca Cial Brito, reabertura do Teatro Raul Cortez e da reaproximação com outros campos artísticos da Baixada.

“Se eu pudesse convencer de algo os autores de literatura que estão na Baixada, gostaria de convencê-los a ter algum orgulho dessa nossa terra: temos uma literatura nossa, viva, que dialoga com diversos tempos da literatura brasileira, desde os concretos, os marginais até, inclusive com a nossa contemporaneidade. Se você não se orgulha de onde pisa e não souber de onde veio, jamais vai sair de onde está, nem ser reconhecido como coisa alguma. É essa terra que dá a nós, seus moradores, alguma poesia possível e a força pra sermos pessoa, gente e fruto desse chão” explica Mariana.

Foto de capa: Hulle Brasil

Serviço:
Olho de Belize
olhodebelize.wordpress.com

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