Ator Alex Mello conecta Europa e Baixada Fluminense através de premiado cinema autoral

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“Estou sempre voltando para a Baixada ou levando a Baixada mundo a fora com minha arte.”

A poesia delimita a vida de Alex Mello. Olavo Bilac, poeta parnasiano do final do século IXX, conecta Brasil e Europa, mais precisamente Duque de Caxias e Alemanha. Há na Baixada Fluminense um bairro com nome de poeta dando fruto artístico para o mundo. Nascido e criado no bairro Olavo Bilac, o jovem Alex Mello é ator e se inspira em outro poeta para alçar voos mais altos: Solano Trindade. Com carreira em ascensão, Alex já deu vida ao próprio poeta nas telonas e mostra que é possível ser um artista.

“Minhas memórias artísticas na Baixada estão impregnadas de referências da cultura popular. Em expressões que traduzem o legado do povo preto na região, como as escolas de samba, rodas de capoeira, as dança afro-brasileira e as religiões de matriz africana.”

Aos 12 anos, Alex se aproximou da literatura através da obra de Dias Gomes. A encenação de “O Pagador de Promessas” na escola pública onde estudava fez o jovem ingressar nas artes cênicas. Os grupos de folia de Reis, por exemplo, fizeram parte da formação artística do jovem caxiense. Alex afirma que a memória sempre se conecta com a música de João do Vale, com os grafites que demarcam as ruas, uma espécie de rap visual nos muros de estações de trem, também o som do funk, do reggae e o próprio rap, elementos que brotam e ecoam na região.

Outra de suas referências é o carnavalesco Joãozinho Trinta, campeão do carnaval carioca pelo Salgueiro, Beija-Flor e Viradouro.

Joãozinho Trinta sabia lidar tão bem com os contrários, a ponto de transformá-los em espetáculo. Transformava lixo em luxo e através dos seus enredos reverenciava a história, a beleza, a coragem e a luta do povo preto.”

Segundo o ator, foi a estética e o mosaico artístico e cultural das suas referências e vivências na escola e no teatro que o tornaram produtor e investigador da própria arte. Para perseguir o sonho de ser ator Alex vendeu chinelos na Baixada Fluminense. Com o negócio custeou cursos de teatro, dança e circo.

“Mesmo com a falta de oportunidades para atores no país a minha trajetória me deixou mais forte e com mais certeza do que eu queria.”

Atualmente Alex Mello vive em Bonn, cidade da Alemanha ocidental, com trabalhos premiados no velho continente. Chegou ao país com 19 anos para realizar intercâmbio de um ano. Permaneceu na Europa, criou laços afetivos, encenou em alemão espetáculo solo inspirado na vida e na obra do Bispo do Rosário, artista plástico brasileiro que criou um universo lúdico de bordados, estandartes, objetos e palavras durante o meio século vivido recluso em um hospital psiquiátrico. O espetáculo foi transformado em obra cinematográfica figurando em importantes festivais do circuito.

Em solo estrangeiro como homem negro se protegeu das armadilhas da carreira de ator: passou a aprofundar a pesquisa artística com foco em recortes de raça, gênero e estrangeirismo para fugir de papéis estereotipados como bandidos, serviçais, escravizados, latim lovers ou gangsters. Na Europa Alex obteve relevância artística com o espetáculo Jean, baseado na vida e na obra de Jean-Michel Basquiat. Atuou em “Der 8. Kontinent”, produção alemã dirigida por Serdar Dogan. Protagonizou o longa “Retorno”, produção alemã inspirada no livro “livro “Nur die Edelsteine Kommen aus Brasilien” (“Somente as Pedras preciosas vêm do Brasil”, em tradução livre), da jornalista Adriana Nunes.

A relação de Alex Mello é marcante com outro artista, o poeta Solano Trindade. De acordo com o livro O Poeta do Povo, de Raquel Trindade, foi em Caxias que o poeta Solano Trindade fundou, junto da esposa Margarida e do sociólogo Edison Carneiro, o Teatro Popular Brasileiro. O elenco formado por domésticas, operários e estudantes apresentava espetáculos de dança e canto. Assim como Alex, o Teatro Popular Brasileiro também se apresentou em território europeu. No filme “Nos Trilhos de Solano”, o caxiense dividiu direção com o cineasta carioca Vitor Kruter e encarna o poeta dando corpo e voz para a obra de Trindade.

Apesar de estabelecido na Alemanha, Alex segue conectado à Baixada Fluminense.

“Sempre que vou ao Brasil, levo meus espetáculos de teatro aos palcos da Baixada. Mantenho laços profissionais e afetivos que me inspiram e revigoram. Mantenho esse dialogo como forma de me manter próximo dos meus e do meu lugar, sigo atento as transformações e a realidade local.”

Alex também reflete sobre as impressões que constrói sobre o território visto de fora. Segundo o ator, enxergar a Baixada como um lugar que de alguma forma ainda precisa se olhar e se entender é uma de suas perspectivas.

“A Baixada é forjada a partir da cultura negra e nordestina. Compreender e aceitar sua identidade é acima de tudo se reconhecer.”

O artista não tem planos de retorno em definitivo para a terra natal, mas afirma que de alguma forma nunca se afastou. Alex afirma nunca ter ido embora de fato.

O trabalho mais recente de Alex Mello é Außerhalb des Aquarium /Fora do Aquário. O filme é dirigido e protagonizado por Alex e é um dos primeiros filmes produzidos na Alemanha a abordar a homoafetividade entre homens negros. É um filme sobre corpos em trânsito, identidades, território, diásporas, pertencimento, solidão e afetividade, questões tão inerentes ao nosso tempo, afirma o artista.

Para o futuro o ator caxiense pretende se dedicar cada vez mais ao cinema levando para as telas vivências e corpos que geralmente são invisibilizados ou traduzidos de forma não humanizadas. O próximo filme, intitulado “Herr Samba / Senhor Samba“, aborda questões de classe e raça ao retratar a vida de um brasileiro que torna-se invisível para a sociedade assim que ele começa a trabalhar lavando escadas na Europa.

“Espero que o meu trabalho seja no campo do audiovisual, do teatro ou como arte educador possa de alguma forma colaborar para transformações. Que meu oficio possa provocar, comunicar, influenciar e gerar reflexões sociais e culturais. Que minhas inquietações artísticas colaborem para criação universos plurais.

É com poesia nas telas do mundo que Alex Mello conecta Baixada Fluminense e Alemanha ou suas inquietações e o mundo.

Foto: Alex Mello
Instagram: @ alexmello.x

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