[EDITORIAL] Mais um ano sem o chuveirão que trouxe o Site da Baixada de volta à ativa
Quando falta água sistematicamente no bairro com maior IDH de uma cidade, é porque algo está ainda mais errado do que a gente imagina
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Por Wesley Brasil
Os últimos encontros que participei com jornalistas comunitários, sejam na Favela da Rocinha ou nos corredores da TV Globo, me fizeram enxergar de forma cristalina a importância de veículos locais que se envolvem com o território pra além da notícia, se envolvendo na busca por solução a problemas do cotidiano ou jogando luz para assuntos que ficariam na escuridão.
A visão ficou cristalina, mas o fornecimento de água não.
Ano passado o nosso editorial foi sobre o chuveirão da minha casa mesmo. Um problema aparentemente pessoal, mas que afeta a minha vizinhança. O argumento sobre isso também era cristalino: se o bairro com maior IDH de São João de Meriti tem problemas no fornecimento de água, imagina os outros? Se o Jardim Meriti, bairro mais central que o próprio centro meritiense, não tem água entre sábado a tarde até terça-feira de manhã, como andam as coisas nos bairros mais periféricos da cidade?
Não tem fornecimento de água, mas tem fornecimento de mágoa.
Sem água pra quem precisa
É como se o proletário que trabalha de segunda a sexta não tivesse direito de sequer tomar um banho no chuveirão do quintal. O direito ao sol já é negado, como apontou muito bem o poeta caxiense Natö; O direito ao churrasco também é negado, como aponta a tabela de preços em qualquer supermercado. Não ter direito a água já é esculacho.
É no fim-de-semana que o morador do Jardim Meriti dedica seu tempo à família. Eu ando pelo bairro e vejo o movimento diferente de sexta a domingo, especialmente quando tem jogo do meu Fluzão (e daquele time rubro-negro também). É especialmente no sábado que muita gente dedica seu tempo pra colocar a roupa pra bater, lavar banheiro, cuidar da casa e do quintal: já cansei de realizar as minhas atividades aos sábados e chegar na terça-feira sem água na caixa.
E não vem me dizer pra comprar outra caixa d’água ou fazer reuso de água da chuva. Não. Duvido que as zonas nobres do Rio façam isso por falta de opção – pelo contrário, quem tem recursos pra investir faz isso pela economia a longo prazo.
Mas eu sou pobre HOJE e preciso pagar as contas desse mês. Não sobra nada não. E não vem com papo de guardar dez reais todo mês não, porque só quem fecha no negativo sabe o que eu tô falando.
O Direito à água e ao saneamento é previsto na ONU como um dos direitos humanos, e esse direito tá sendo negado pela Águas do Rio. O nosso país reconhece esse direito, mas não tem um amparo judicial pra população cobrar o acesso à água com veemência.
Já tentei contato num passado recente pra entender o motivo. Não tive uma resposta satisfatória pra além de ser uma herança da CEDAE e que investimentos estão sendo feitos e blá blá blá. Para a escrita do editorial desse ano, sequer tentei contato. Não tem outro lado nesse texto: só tem o lado de quem não pode tomar banho de chuveirão no domingo. Que esculacho.
É por motivos como esses que o Site da Baixada precisa não só continuar, mas também crescer.
Podemos agir em defesa do território
Somos o mais próximo que o território tem de uma mídia comunitária que não está envolvida em projetos de poder. Não recebemos dinheiro de políticos nem partidos – sequer nos envolvemos em campanhas. Não recebemos dinheiro direto de governos também e por isso seguimos uma linha editorial voltada para os serviços à população.
Nesse sentido o apoio da audiência é fundamental: atualmente a nossa campanha no Catarse arrecada R$265 por mês. Com essa receita só conseguimos manter o básico de serviços digitais funcionando e o portal segue como atividade paralela dos profissionais envolvidos nele – enquanto o SB não for a atividade principal de uma equipe de redação, não conseguiremos agir com veemência contra os abusos que o território sofre – porque se a gente for esperar uma atitude ‘de cima’…
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