Nova tarifa dos trens a R$7 entra em vigor nesta quarta-feira (2)

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Supervia: contrapartida pelo aumento das passagens será redução no intervalo entre os trens. Foto: Raphael Guimarães / Site da Baixada.

 

ATUALIZAÇÃO: Supervia reduz valor e adia implementação de novo reajuste tarifário

Dos 12 municípios atendidos pelos trens da Supervia, 11 ficam na Baixada Fluminense, com exceção do Rio de Janeiro. Com estações que atendem as cidades de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita, Queimados, São João de Meriti, Belford Roxo, Japeri, Magé, Paracambi e Guapimirim, o trem é o principal meio de transporte do qual dependem os moradores da região.

O aumento estava previsto e faz parte de um reajuste anual feito com base no índice IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), que é calculado pela Fundação Getúlio Vargas. Entre as razões apresentadas pela concessionária para justificar o novo valor está a queda de receita ocorrida nos últimos dois anos devido à pandemia. A média diária de passageiros diminuiu cerca de 48%, caindo de 576 mil para 299 mil entre 2020 e 2021. A isso se somam os constantes furtos de cabos ao longo da via, que seria o principal motivo para o reajuste.

O novo valor, no entanto, não condiz com a realidade econômica dos moradores da Baixada Fluminense, onde o PIB per capita é inferior à média do estado do Rio de Janeiro (com exceção de Itaguaí). Em todo o estado, cerca de 40% da população economicamente ativa se encontra trabalhando em empregos informais, boa parte sem benefícios sociais como Bilhete Único e vale-transporte para custear, ao menos em parte, o valor da tarifa. Dessa forma, um passageiro que depende da Supervia gasta R$280 mensais para ir e voltar do trabalho diariamente, valor que corresponde a 23% do salário mínimo. Dados do IBGE colhidos em 2018 já apontavam que as famílias brasileiras gastam mais com transporte que com alimentação. Com a crise econômica intensificada pela pandemia, essa diferença pesa ainda mais no bolso do consumidor.

Além do descompasso em relação à renda média fluminense, o reajuste não reflete melhorias na qualidade do serviço. Com a pandemia, os atrasos se tornaram mais recorrentes. Isso se explica em parte pela quantidade de furtos que seguem ocorrendo, mas também pela redução da quantidade de trens em circulação. O resultado é um grande número de passageiros amontoados nas plataformas durante os horários de pico. Sobre isso, a Supervia anunciou que vai alterar a grade horária para diminuir os intervalos. A partir de 7 de Março, os ramais Japeri e Santa Cruz, além do trecho Central-Gramacho do ramal Saracuruna, irão contar com 42 viagens diárias a mais. Os atrasos, porém, não são o maior problema com o qual se deparam os passageiros fluminenses.

Atropelamentos são recorrentes nos trens da Supervia

Por trás da gravação recomendando que se preste atenção no vão entre o trem e a plataforma, existe um alto número de vidas perdidas nos trilhos. Segundo levantamento feito pela Casa Fluminense, entre os anos de 2008 e 2018 foram registradas 368 mortes por atropelamento ferroviário, sendo 72,6% de pessoas negras. Especialistas suspeitam que esse número possa ser ainda maior, devido à falta de transparência e subnotificação dos casos.

Foi o que ocorreu com Joana Bonifácio, estudante que morreu em 2017, aos 19 anos, ao cair no vão de um trem do ramal Belford Roxo. Sua morte nunca entrou nas estatísticas porque a concessionária contabilizou o caso como imprudência da passageira. O caso de Joana foi destaque na CPI realizada pela ALERJ em 2017 para investigar irregularidades no setor de transportes e questionar o papel da Agetransp na fiscalização das concessionárias. Além disso, o caso também inspirou dois projetos de lei: o PL 4030/2021 prevê a criação do Dossiê Joana Bonifácio, que torna obrigatória a publicação dos casos de atropelamento e lesão corporal nos trilhos, para que esses dados sirvam como base na elaboração de políticas públicas para a área. Já o PL 1524/2021 propõe a criação de um Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por falhas ou irregularidades nos trens.

O que poderia ser diferente?

Alguns dos problemas citados nesta matéria poderiam ser evitados, ou ao menos mitigados, com a reformulação de políticas públicas e maior fiscalização dos serviços prestados pelas concessionárias. Em 2010, a Supervia renovou o contrato com o governo do estado até 2048. Foi exigido que a empresa realizasse obras para adequar as plataformas aos padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que prevê, entre outras coisas, que o tamanho máximo do vão entre o trem e a plataforma seja de 10cm. No dia da morte de Joana, este espaço era de 29,7cm, quase três vezes maior do que o exigido.

Os recorrentes furtos de cabos nas estações são um dos principais problemas apontados pela Supervia para justificar os atrasos dos trens e o aumento do valor da passagem. A resposta da empresa para essa questão vai no sentido do aumento de policiamento. Através do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), policiais militares em dias de folga realizam patrulhamento nas estações. Uma força tarefa envolvendo 200 policiais militares e drones foi acionada para coibir roubos de peças e outros crimes nas estações.

Segundo o relatório elaborado pela Casa Fluminense com “Recomendações para a modernização dos trens da Supervia”, o aumento da militarização nas estações reproduz violência e sensação de insegurança. Além de ser uma solução cara, é ineficiente se não for associada a uma lógica de inteligência com ênfase nos destinatários dos produtos roubados. Como contrapartida, o documento propõe a adoção de estratégias pautadas na promoção de boas práticas, tomando como exemplo o caso da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Em parceria com o Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (DEIC), a concessionária estabeleceu estratégias para identificar e prender os receptadores do material roubado. As ações de inteligência focaram no mapeamento de ferro-velhos próximos às estações para averiguar se há fiação roubada nesses locais, produzindo uma lista que é constantemente atualizada. Também foram adotadas medidas de conscientização dos passageiros sobre os transtornos causados pelos furtos de cabos, com canais para denúncias. Ações organizadas que mobilizam funcionários, policiais e a população civil tendem a ter mais sucesso que o mero aumento de policiamento ostensivo sem objetivos definidos.

Em relação ao preço da tarifa, o relatório sugere a alteração do índice usado como base para os reajustes. O IGP-M está vinculado ao dólar e vem aumentando à medida que a moeda segue cada vez mais valorizada em relação ao real. Mais adequado à realidade brasileira, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é calculado com base na inflação de produtos e serviços, usando como referência o consumo pessoal das famílias.

Em seu site, a Supervia também justifica o aumento de preços pelo fato de que o transporte ferroviário no Rio de Janeiro não recebe subsídios do governo, ao contrário de outros estados no Brasil e no mundo. Dessa forma, o custo do transporte recai inteiramente sobre o consumidor. O relatório da Casa Fluminense sugere que o subsídio, bem como o investimento na modernização das estações, seja feito com os recursos da venda da CEDAE, nivelando o sistema ferroviário aos padrões do Metrô-Rio. Descontado o valor repassado aos municípios, o estado do Rio de Janeiro dispõe de R$14, 478 bilhões decorrentes da outorga, dos quais 1, 7 bilhão está previsto para a melhoria do sistema de trens, conforme consta no Pacto RJ. Segundo estimativa do Observatório dos Trens, esse valor seria suficiente para reformar 96 das 104 estações que ainda precisam de melhorias. O relatório completo apresenta outros eixos de mudança e pode ser acessado na íntegra.

E agora?

O reajuste, que entra em vigor a partir desta quarta-feira (02), pesa diretamente sobre o bolso daqueles que mais sofreram com os impactos da crise agravada pela pandemia. O morador da Baixada Fluminense que precisa ir até a capital para realizar suas atividades de trabalho ou lazer, terá de se adaptar ao novo valor ou recorrer às linhas de ônibus intermunicipais, aumentando o tempo gasto no trajeto.

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