ADPF 635 reduz violência armada, mas julgamento do STF segue com atraso
Número de baleados caiu 33%, mas a maior chacina em operação policial da história aconteceu durante vigência da liminar
Publicado em:
Por Fogo Cruzado
Após quase sete meses de espera, o julgamento dos embargos da ADPF 635, retomado ontem (15), teve que ser adiado mais uma vez por conta do horário e de divergências entre os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Entre os pontos de discordância estavam a suspensão do sigilo dos protocolos de atuação policial, proposto por Edson Fachin, além da proibição de buscas domiciliares feitas a partir de denúncias anônimas. Para Moraes, o que preocupa é que se queira “resolver a crise da segurança pública impedindo a segurança pública de atuar”.
Para Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, o excesso de cautela do ministro Alexandre de Moraes não representa a realidade. “Definir protocolos de atuação mais seguros, tanto para os moradores de favelas quanto para os policiais, com o objetivo de preservar a vida, não é impedir a segurança pública de atuar, é planejá-la, torná-la mais inteligente”, afirma a diretora.
Durante o julgamento, Alexandre de Moraes aceitou a proposta de Fachin para o Estado do Rio de Janeiro elaborar um plano de redução da letalidade policial e violação dos direitos em um prazo de 90 dias.
Um ano e seis meses após a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal em restringir operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro – exceto em casos excepcionais -, houve queda de 33% no número de vítimas durante ações/operações policiais, segundo mapeamento do Instituto Fogo Cruzado: de 2.645 baleados no período de 6 de dezembro de 2018 até 5 de junho de 2020, para 1.771 entre 6 de junho de 2020 até 5 de dezembro de 2021. A redução também aconteceu nos tiroteios em ações/operações policiais, representando queda de 38%.
Mesmo com a diminuição da violência armada, para Cecília Olliveira, os resultados com a ADPF 635 poderiam ser mais positivos. A diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado afirma que “a falta de planejamento e cobrança do STF em relação a isso pode custar a vida de moradores de favelas e periferias, como a de Katlen. O MPRJ denunciou cinco PMs por alterarem a cena do crime na morte dela. Isso mostra que eles sabiam que estavam errados e tentaram mudar isso. Quantas vezes isso acontece? O STF precisa ser mais ágil e cobrar que esse tipo de coisa não aconteça”.
A ADPF das Favelas, como também é conhecida, segue em caráter de liminar desde que entrou em vigência, em 5 de junho de 2020. O julgamento, que era para ter acontecido em 24 de maio deste ano, foi paralisado após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Depois de quase sete meses paralisado, o julgamento buscou, nesta quarta-feira (15), discutir medidas como a adoção de critérios mais claros para “excepcionalidade”, a instalação de GPS e dispositivos de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais, e a disponibilização de ambulâncias em casos de operações previamente comunicadas.
Apesar das reduções, mortes como a da Kathlen Romeu, grávida de 14 semanas, aconteceram durante o período de vigência da ADPF das Favelas e após paralisação do julgamento do STF. Kathlen foi morta no dia 8 de junho durante uma operação policial no Complexo do Lins, na Zona Norte, quando visitava a família. Depois disso, foi proposto um projeto de lei que proíbe as chamadas “operações tróia”, quando policiais ficam de tocaia para emboscar alvos.
Edson Fachin, o primeiro a falar nesta quarta-feira (15), complementou seu voto afirmando que “em um Estado Democrático de Direito não existem balas perdidas”. Apesar da teoria, a prática se mostrou diferente. Em um ano e seis meses, 101 pessoas foram vítimas de balas perdidas durante operações ou ações policiais, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.
O Ministro Edson Fachin, que é relator da ADPF 635, também comentou sobre a ilegalidade das chamadas “operações de vingança” – retaliação às mortes de outros policiais, como a operação que aconteceu no último dia 21 de novembro, no Complexo Salgueiro, em São Gonçalo, e que terminou com ao menos nove mortos e uma idosa atingida por bala perdida. A operação policial ocorreu após a morte do policial militar Leandro Rumbelsperger da Silva, no dia anterior, durante patrulhamento na região. Desde que a ADPF 635 entrou em vigência, 60 chacinas foram mapeadas pelo Instituto Fogo Cruzado durante ações e operações policiais, resultando em 254 mortos no total.
A discussão sobre a ADPF das Favelas só deve ser retomada no próximo ano. Essa demora, na visão de Cecília Olliveira, vai continuar custando vidas e resultando em operações policiais pouco planejadas.