Quase metade dos alunos da rede pública do Grande Rio estuda sob o domínio de grupos armados, aponta relatório
Relatório do Unicef revela que mais de 800 mil estudantes vivem a rotina escolar cercados por tiroteios, milícias e facções na capital e em 19 municípios da região metropolitana
Um levantamento inédito divulgado nesta quinta-feira (29) revelou que cerca de metade dos estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública da região metropolitana do Rio de Janeiro estuda em áreas dominadas por grupos armados. A pesquisa, intitulada Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, mostra que mais de 800 mil crianças e adolescentes estão inseridos em contextos de milícias ou facções criminosas em suas rotinas escolares.
O estudo foi realizado pelo Unicef, Instituto Fogo Cruzado (IFC), Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI-UFF) e o Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (CERES-IESP), com base em dados de 2022.
Escolas em áreas de conflito se concentram na capital e na Baixada
Ao cruzar os mapas de domínio armado com a localização das escolas públicas, os pesquisadores constataram que 55% dos estudantes da capital e 48% dos estudantes dos demais 19 municípios do Grande Rio estão em áreas controladas por milícias ou tráfico.
Na capital fluminense, 28,4% das escolas estão situadas em territórios de milícia e 30% em áreas controladas pelo tráfico. Já nos outros municípios, a proporção de escolas em áreas de tráfico é parecida (29,2%), mas o domínio das milícias é bem menor (9,6%).
A zona sul do Rio, região com menor presença de grupos armados, concentra também a menor quantidade de escolas impactadas por tiroteios. Em 2022, 29 escolas da região registraram 86 episódios. Em contraste, a zona norte registrou tiroteios nas imediações de 510 escolas, totalizando 1.714 episódios – o maior número de ocorrências na cidade.
Na Baixada Fluminense, foram 1.110 tiroteios próximos a escolas públicas no mesmo ano. O estudo aponta ainda que uma escola de São Gonçalo lidera o ranking das mais afetadas, tendo enfrentado 18 episódios de violência armada aguda apenas em 2022 – o equivalente a um tiroteio a cada duas semanas.
Operações policiais intensificam risco para crianças e adolescentes
O relatório também evidencia que a presença policial nas áreas controladas por grupos armados não necessariamente representa maior proteção. Pelo contrário: nessas regiões, os tiroteios envolvendo ações policiais foram três vezes mais frequentes do que em locais sem domínio armado.
Essa realidade tem impacto direto na rotina escolar, com suspensão de aulas, fechamento de escolas, atrasos, medo e dificuldade de concentração. A violência armada não afeta apenas a segurança física, mas também o direito pleno à educação.
Recomendações para garantir o direito à educação e à proteção
A publicação propõe uma série de medidas urgentes para proteger as crianças e adolescentes da violência armada e garantir o acesso seguro à educação:
- Criação de protocolos de resiliência em escolas e comunidades;
- Implementação de ações de reparação dos serviços públicos afetados;
- Integração entre políticas de segurança e educação, com foco na eliminação de impactos negativos de operações policiais próximas a escolas;
- Cumprimento da Lei Ágatha Felix, que prioriza a investigação de crimes contra crianças e adolescentes;
- Elaboração de um modelo de segurança pública voltado à infância e juventude;
- Investimento em uma educação com foco na proteção e no enfrentamento à violência.
Além da análise territorial e estatística divulgada agora, o Unicef e os parceiros preparam um segundo relatório que aprofundará os efeitos da violência armada sobre o aprendizado e o abandono escolar.
Dicas Finais
- Na Baixada Fluminense, municípios como Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo e São João de Meriti estão entre os mais afetados pela violência armada em torno de escolas.
- Famílias, educadores e gestores podem acompanhar os dados abertos do Instituto Fogo Cruzado para monitorar episódios de violência na vizinhança escolar.
- A pesquisa reforça a urgência de políticas públicas que levem em conta a realidade das escolas periféricas e a necessidade de garantir a proteção integral de crianças e adolescentes.