Identidade de gênero e religião se unem nas produções de moda de João Victor

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Identidade de gênero e religião se unem nas produções de moda de João Victor

João Victor faz dois virar um. O nome composto é apenas a primeira das muitas situações que traz a veracidade da afirmação. Formado em Moda há dois anos pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), o carioca uniu dois temas centrais de discussões sociais para tornarem-se um só debate de representação em suas composições têxteis.

No Instagram, “Bethâniar SEMPRE!”. Esta é uma das descrições que João usa em sua bio. Apaixonado por Maria Bethânia, ele, influenciado pela mãe, conheceu a voz de uma das maiores personalidades do MPB reconhecidas atualmente. Através da paixão que desenvolveu pela cantora, o produtor descobriu também seu interesse pelas religiões de matriz africana, em especial, por Iansã, orixá dos ventos no Candomblé.

A moda surgiu na vida do carioca após trabalhar em uma loja de departamento e identificar o gosto – e talento – para atuar no mercado de visual merchandising, cuja função é responsável pela criação da identidade de uma marca. Ainda na faculdade, o ex-aluno do campus de Belford Roxo já começava a costurar as questões sociais que vivia com os interesses profissionais para atingir seu objetivo.

A questão é gênero. A moda é muito pautada no feminino e masculino, não existe o agênero e cisgênero. Minha discussão é questionar o que é diferenciar uma roupa feminina e masculina e o que é apenas uma roupa ”, ressalta o produtor.

O questionamento de João é pautado pelas mudanças sociais que vieram ocorrendo desde o início da Moda. Ao explicar a origem do vestuário, ele cita que “nos primórdios, eram produzidas as mesmas roupas para ambos os sexos. Mais a frente, homens europeus usavam saias enormes, mulheres também. Por que, hoje, quando eu vou à rua de saia, isso se torna polêmico?”.

Esta abordagem também trouxe a oportunidade do produtor desenvolver um dos trabalhos que mais gostou de fazer. Com finalidade acadêmica, João criou a capa de uma revista que teve como tema principal o assunto que mais o machucava na vida pessoal. Ao relembrar, o ex-aluno citou sobre o preconceito que circunda a própria comunidade LGBTI. “A gay que me via de saia não se interessava por mim. Porém, a mesma pessoa que me via com outra peça de roupa que não fosse ‘feminina’ passava a me enxergar com segundas intenções somente por eu ter trocado a vestimenta. A partir disso, eu elaborei o ensaio nu e alternei entre looks com roupas femininas e masculinas”, recorda.

Ele também relembra o trabalho final que produziu para o curso com a temática de resistência religiosa. Para a representação do tema,  João escolheu desenvolver o arquétipo da Iansã em uma modelo trans, filha da Orixá, cuja mulher era Jaqueline de Jesus, professora de psicologia da Moda da IFRJ do próprio campus. “Ali eu trouxe a religião afro e o gênero juntos no mesmo trabalho. No próprio Candomblé há muita discussão sobre a mulher trans ser vista como homem. Trazer ela como uma orixá feminina também era uma questão da discussão”, afirma ele.

Fora do ambiente acadêmico, ele também relembra do Laboratório Projeto Moda Rio que participou em 2018, onde, junto com outros estudantes do IFRJ, atuou como staff do evento. “Foi curioso e excitante. Ficamos para auxiliar nos modelos e nos ajustes das trocas de roupas. Durante o desfile foi uma correria, mas foi divertido. Até hoje eu recebo convites e tenho contato com alguns estilistas que conheci por lá”.

Durante a conversa, João lembra da dificuldade para que as aulas fossem realizadas no campus pela falta de recursos disponibilizados pela Prefeitura de Belford Roxo. “As máquinas de costura, por exemplo, a gente não podia ligar. Não nos deixavam utilizar por falta de estrutura. Se ligássemos uma máquina, o campus todo desligava. Não tínhamos o básico. Os professores nos ajudavam e, quando não podiam, nós mesmos arranjávamos meios para conseguir testar o que aprendíamos em sala”, conta o ex-aluno.

Apesar do cenário complicado, ele lembra que ter se formado na faculdade, mesmo nas condições precárias, foi um dos sonhos que realizou dentro da Moda e ainda ressalta que ter conseguido entrar no mercado de trabalho com o curso que fez foi ainda mais gratificante.

Como objetivo profissional, João quer “ser lembrada como uma gay que conseguiu fazer outras gays serem vistas, assim como a Pabllo Vittar, Gloria Groove e todas as manas e gays que fizeram e conseguiram levar seus trabalhos e o nome da comunidade LGTBI a um papel maior de comunhão. A ideia é não separar clãs, identidades e comportamentos diferentes, mas sim juntar todos em um só”.

Para conhecer mais do produtor, acesse o Instagram.

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