Artistas meritienses são pressionados a devolver parte do auxílio emergencial por erro da Prefeitura

Ministério Público fala sobre possível extorsão pela forma como a dívida federal foi cobrada pelo município

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Artistas meritienses são pressionados a devolver parte do auxílio emergencial por erro da Prefeitura

Grupo de WhatsApp criado por funcionários da Prefeitura de Meriti trouxe a cobrança de depósitos na conta da Prefeitura sem garantias de comprovantes. Foto: Site da Baixada/Acervo.

A homenagem ao compositor Aldir Blanc, morto pelo novo coronavirus, veio em forma de lei para ampliar o auxílio emergencial para trabalhadores da cultura que atuam de maneira informal e ajudar a manter espaços artísticos, microempresas e outras instituições dentro do setor cultural.

O dinheiro enviado pelo Governo Federal seria gerido pelos municípios, que tiveram a opção de empenhar e usar o recurso ou devolvê-lo. A maioria das cidades da Baixada Fluminense empenharam o dinheiro e o aplicaram no setor da cultura, como previsto. No total, foram R$ 24.2 milhões destinados ao território entre as suas 13 cidades – distribuídos de acordo com o tamanho da população.

A distribuição deste recurso para o setor da cultura se deu por meio de três partes, de forma resumida:

  • Inciso I, voltado para o pagamento do auxílio emergencial de R$600 em três parcelas para profissionais da cultura que não conseguiram receber o auxílio direto do Governo Federal;
  • Inciso II, voltado para a manutenção de instituições do setor, incluindo empresas, coletivos, espaços culturais e outros;
  • Inciso III, voltado para a premiação de artistas de modo geral em forma de editais ou prêmios

Legalmente falando, este recurso do Inciso III se configura como ‘prêmio’ e é necessário declará-lo no Imposto de Renda Pessoa Física (caso o contemplado seja um CPF), como explica o advogado Rafael Rodrigo: “a fonte pagadora tem a obrigação legal de reter o imposto de renda dos pagamentos que efetua na natureza de renda paga para pessoa física”. No entanto, não foi o que aconteceu em algumas cidades da região.

Em São João de Meriti, uma parte dos contemplados pelo Inciso III não teve o desconto direto da fonte pagadora, conforme previsto na Lei Aldir Blanc e também a Receita Federal, como explica Sandra Regina Fabiano, produtora cultural e conselheira de Políticas Públicas Municipais de São João de Meriti: “a Prefeitura pagou o inciso III no dia 30 de dezembro e não reteve pra alguns participantes o imposto de renda na fonte”.

Diante disso, funcionários da Prefeitura criaram um grupo de whatsapp no dia 06/11 “para tratar das questões relacionadas ao Inciso III, da Lei Aldir Blanc”. Ainda no dia 06, foi informado que “No período de Declaração de imposto de renda, a prefeitura irá disponilizar a Declaração de Rendimentos, informando sobre o recolhimento do Imposto de Renda, para que vcs tenham um documento ofícial.”

No dia 07/01, no entanto, os funcionários passaram a pressionar os artistas para efetuarem depósitos na conta da Prefeitura (e não na conta específica da Lei Aldir Blanc do município). Sandra Regina explica: “Essa conta foi aberta em 1974 e está em nome do gabinete do prefeito. Pelo que eu entendi, a movimentação da conta da Lei Aldir Blanc tem que ser na conta de origem, aberta pelo Ministério do Turismo para o fim deste recurso. (…) Não consigo entender como temos que devolver para uma conta que é estranha para o recurso da Lei Aldir Blanc”.

Junto das informações bancárias, veio também o aviso:

“[14:52, 07/01/2021] +55 21 *****-****: Todos os que receberam o valor bruto de R$. 12.710, devem fazer até a próxima sexta feira, dia 08/01/2021 e enviar o comprovante do depósito, que será juntado ao processo administrativo.

[14:56, 07/01/2021] +55 21 *****-****: A não devolução do valor acarretará em sanções administrativas tais como: inclusão do nome na divida Ativa do Município e da Receita Federal do Brasil e informado ao MTur, que tratarão das questões legais, por se tratar de recursos federais. Criminalmente, apropriação indebita, dano ao erário público e má fé ( já que todos foram informados dessa obrigação).”

A mensagem foi interpretada como uma possível extorsão, na leitura da promotora do Ministério Público, Elisa Pittaro, que afirmou ainda sobre o imposto: “é uma dívida federal. Não faz sentido colocar as pessoas na dívida ativa do município”. O advogado Rafael Rodrigo explica: “Do ponto de vista criminal não tem nenhuma possibilidade de responsabilização. O dinheiro foi recebido de boa fé, não tem nenhum problema, não seria uma apropriação indébita – apesar do print falar isso, o que é completamente equivocado”.

Diante da possível ilegalidade na cobrança e na forma como ela aconteceu, junto do prazo de quase 24 horas para o pagamento, os artistas passaram a cobrar explicações da prefeitura, uma vez que a forma de registro proposta para este pagamento seria por meio de mensagens de whatsapp, onde cada artista efetuaria o depósito e enviaria o comprovante para um funcionário por meio do aplicativo de mensagens. Na tarde da sexta-feira houve a promessa de emissão de nota de esclarecimento, que não foi feita até o momento desta reportagem.

Marcio Grafitti foi um dos contemplados que tiveram o imposto descontado na fonte. Foto: acervo pessoal.

Marcio Grafitti foi um dos contemplados que tiveram o imposto descontado na fonte. Foto: acervo pessoal.

Um dos contemplados com o prêmio e foi inserido no grupo de WhatsApp foi o diretor de cinema Marcio Grafitti, que comentou o caso: “é natural que essa premiação não tenha retenção. Muitos municípios já pagaram e não fizeram essa retenção. São João foi o exclusivo que fez essa retenção e causou problemas pra diversos artistas porque isso é uma coisa individual – não cabe a prefeitura pedir que os artistas contemplados devolvam uma parte do recurso recebido para a Prefeitura. E mesmo assim a prefeitura não emite nenhum tipo de nota, nenhum tipo de certificado, ou garantia de que você pagou. Causou um grande transtorno pra muitos artistas, alguns devolveram e outros não. Outros foram retidos na fonte. Aí surgiu a grande polêmica: esses que foram retidos na fonte, foram para tentar corrigir um problema da Prefeitura, ou seja, ela tentou correr atrás pra resolver um problema que ela causou pra ela mesma fazendo essa retenção na fonte. Mas nem por isso os artistas que foram contemplados e receberam com o valor cheio precisam devolver essa porcentagem que foi estipulada pela prefeitura – ou seja, porque vai ter que pagar o imposto duas vezes”.

A Comissão de Cultura da ALERJ está acompanhando o caso. “Recebemos algumas denúncias e pedidos de ajuda a respeito do repasse e o pagamento de imposto desses repasses. Ninguém precisa devolver o recurso da lei total. Precisamos apenas calcular o imposto dentro deste recurso, que é parte da arrecadação do Estado”, explica a deputada estadual Dani Monteiro.

Em Nova Iguaçu não houve cobrança do imposto – nem de depósito

A Secretaria de Cultura de Nova Iguaçu entrou num entendimento junto da Procuradoria Geral do Município. Os gestores da cidade preferiram não recolher direto na fonte, entendendo ser uma questão emergencial e que muitos beneficiários sequer teriam que pagar ao fisco.

O subsecretário de cultura de Nova Iguaçu, Augusto Vargas, explica: “O entendimento da PGM foi que não fez sentido e não seria razoável tributar estes recursos que são oriundos do Governo Federal para cumprir uma lei de emergência, de urgência cultural que tem o intuito de reduzir os impactos causados pela pandemia do Covid-19. Por isso a cidade de Nova Iguaçu não fez esse recolhimento tributário, entendendo também que o imposto de renda não cabia ser retido na fonte até por ser agravado em se tratar de uma lei num momento de exceção”.

Augusto Vargas comenta ainda sobre a declaração de imposto de renda pessoa física: “A gente acredita que cada proponente, posteriormente, vai fazer a declaração de forma normal – caso o governo federal não isente esse imposto, esse auxílio cultural. (…) Esse montante do ano, dos seus rendimentos, se ele for acima do teto de isento, aí sim ele vai fazer o recolhimento devido e proporcional às entradas de renda dele”.

O que devem fazer os contemplados no Inciso III que não foram descontados na fonte

O Governo Federal, até o momento, não abriu mão do Imposto de Renda sobre os prêmios da Lei Aldir Blanc. Diante disso, a orientação dos juristas é que a declaração seja feita e todos os impostos sejam pagos.

A deputada Dani Monteiro explica: “Este imposto precisa ser pago porque o recurso recebido é uma renda. Ele deveria ter sido retido direto na fonte, mas como isso não aconteceu, não há problema pagá-lo direto ao fisco. E é importante pagar direto ao fisco, não para a Prefeitura, porque devido a inconstância da informação é mais importante que se coloque o valor direto na fonte”.

Em 2020, o IRPF pode ser feito pela internet através de um programa oferecido pela Receita Federal no link <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/irpf/2020/2020>.

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