Guto Cavalcanti realiza sonho de ter seus designs desfilando pela Beija-Flor
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Por Thiago Kuerques
O maior espetáculo da terra, como se assume o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, é palco de múltiplos sonhos. Desde a vitória no carnaval até realizações individuais. Afinal, o carnaval é um dos elementos mais marcantes da cultura brasileira. Carnaval e sonho andam juntos e viverão apoteose na segunda, dia 20 de fevereiro, para um design de interiores da Baixada Fluminense.
Augusto Cavalcanti, 37 anos, nascido em Nilópolis e criado em Mesquita e nas extensões da Baixada Fluminense é um artista que sonha alto. A vontade de fazer a própria arte atravessar a Sapucaí ajudando a Beija-Flor, escola do coração, a coroar um carnaval, fez com que o design de interiores saísse da inquietação e ousasse tentar contato com o carnavalesco da azul e branco. Em 2023, estandartes e uma bandeira gigantesca produzida junto da turma de pós-graduação em Gestão e Design de Carnaval farão parte do desfile “Brava Gente! O grito dos excluídos no Bicentenário da Independência”. A reportagem visitou a Cidade do Samba, na Gamboa, Rio de Janeiro, para contar melhor histórias de carnaval como a do mesquitense.
“Desde pequeno eu tenho ligação com arte, com desenho e habilidades manuais. Foi natural quando decidi o que ser quando crescer porque o crescer estava perto.”
Guto, como é conhecido nos bastidores da escola e entre amigos, escolheu estudar Paisagismo e Design de Interiores, desdobramentos da Arquitetura com os quais confidenciou ter mais identificação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalhou em escritório por anos e percebeu que havia deixado de lado a expressão artística. Em determinado momento da vida resolveu voltar para a arte e estudar a pós-graduação em Gestão e Design de Carnaval pela Faculdade Censupeg. Fazem parte da turma e da equipe que confecciona a bandeira também Carolina Furtado Krachinski, Paulinha Lemos, Joyce Maria Pinto, Rodrigo Costa Marques, Jader, Lilian Minduim, Edy e Aline Gama. Guto conta sobre a construção do sonho pela escola de coração:
“O sonho de fazer algo pela minha escola, Beija-Flor, é muito antigo. Olhava os artistas populares da escola como grandes artistas, como artistas que vejo na TV, no cinema.”
Guto relata também de como as pernas tremem quando está perto de Selminha Sorriso e Claudinho, casal histórico de mestre sala e porta-bandeira da azul e branco. Sentimentos de exaltação e admiração comumente compartilhados pela população da Baixada Fluminense e seus ídolos populares.
“Achava que era tudo muito distante. Até que ano passado assisti a uma palestra com o André, carnavalesco junto com o Alexandre Louzada. Foi quando me apresentei falando que sonhava em entrar na avenida e fazer algo pela minha escola.”
A transformação de cenário aconteceu após uma palestra do carnavalesco André Rodrigues, desenvolvedor do enredo sobre o bicentenário da Independência do Brasil em parceira com o pesquisador Mauro Cordeiro. Após o primeiro contato, ocorreu o segundo, fruto do acaso, nos arredores da Cidade do Samba. Em setembro de 2022, os estudantes da turma de pós-graduação exploravam o lixo da Cidade do Samba, materiais reaproveitáveis como tecidos, telas, latas, entre outros. Guto pontua que “os estudantes chamam o lixo da Cidade do Samba de luxo”.
“O Andre [Rodrigues, carnavalesco da Beija-Flor], passou e meus amigos me incentivaram a falar com meu ‘amigo’ por causa do dia da palestra. Fui lá e pedi que ele desse uma aula pra turma. Ele foi simpático, dei meu telefone.”
Guto conta que em novembro a secretária entrou em contato para convidar para a turma para a realização de produção de estandartes para o desfile de 2023. O resultado impressionou o carnavalesco que convidou o grupo para produção de uma bandeira de mais de 10 metros quadrados que desfilará no quinto carro, o da Dona Romana. A bandeira em questão é uma releitura da bandeira brasileira e traz elementos que remontam à diversidade do povo brasileiro.
“Espero que as pessoas olhem pra bandeira e sintam que se parecem com o que estão vendo. Não é a simplicidade de amarelo ser ouro, verde ser matas. A ideia é que tenha muitas camadas.”
Alguns elementos presentes na bandeira são marcantes para Guto. O primeiro é a presença de ilustrações de crianças do Centro Educacional Vida Reluz, de Nilópolis. Com moldura dourada, os desenhos se espalham por todo tecido estendido em uma sala do galpão da Beija-Flor na Cidade do Samba. Outro elemento é a composição de diversas almofadas estampadas com os rostos das baianas, a ala mais tradicional da escola, também como homenagem às mulheres mais experientes da comunidade.
“São mulheres negras que são a estrutura da casa, que criaram os filhos sozinhas, baianas com muito valor e são retratos da mistura de cores de pele, de união e enfrentamento de desafios.”
Guto Cavalcanti também menciona a educação como elemento que representa a esperança no futuro com a leitura como centro do saber e do desenvolvimento humano. Há livro e frases espalhados pela arte.
De acordo com a turma de pós-graduação, a bandeira não será desfeita ao final do desfile. A ideia é que a arte seja exposta no Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo. A Beija-Flor desfilará na segunda-feira (20/02), na Marquês de Sapucaí.