Sesc Meriti recebe exposição ‘Enquanto os Pássaros Ainda Vivem’, de Ramon Lid

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Sesc Meriti recebe exposição ‘Enquanto os Pássaros Ainda Vivem’, de Ramon Lid

Cria de Vilar dos Teles, em São João de Meriti, Ramon Lid está voltando para a terra natal para estrear no dia 11 de março no Sesc da cidade a exposição “Enquanto os Pássaros Ainda Vivem”.

Aos 31 anos, Ramon Lid diz que a arte retrata os pássaros como a simbologia. “É ser livre e não poder voar”, diz o artista. Já caminhou por entre as letras dos WildStyle Grafitti, que o trouxe até as atuais ilustrações femininas, onde encontrou uma facilidade natural para expor suas ideias e experiências.

Seus trabalhos carregam uma estética de sketch (rabiscos), inicialmente explorados somente no nanquim. A partir disso buscou traduzir a mesma estética com spray e nas telas, assim como a tonalidade do azul turquesa, criando uma marca característica em seus trabalhos. Sua arte sempre carrega um peso de símbolos que dizem muito sobre seus estudos e vivências, assim como o lettering (letras criadas a mão) que dá outro peso de linguagem nas entrelinhas dos riscos e imagens.

Nessa entrevista o grafiteiro fala sobre o início da carreira, suas referências, a dificuldade de ser artista e, claro, sobre o que é a exposição que se inicia.

Site da Baixada – Como você definiria o seu trabalho?
Ramon Lid – “Meu trabalho do contraste do laranja com o azul
turquesa é justamente pra chamar a atenção do que é óbvio e às vezes a gente
não vê. Então o azul turquesa é como se fosse falar que o negro é igual, é tão
igual, mas às vezes a gente precisa dar o absurdo para se mostrar. Representa a
luta do povo periférico e todas as pessoas que se sentem à parte dos movimentos
culturais. É como reflete a minha vida e de tantas pessoas que passam por
coisas que não precisariam [passar]”.

SB – Em relação à infância em Vilar dos Teles, como foi a
descoberta da arte?

RL – Sou de uma família pobre, nunca passei fome, mas passei
muitas privações na vida, na infância e tal. Minha mãe é costureira, tenho irmã
professora de língua portuguesa, dois irmãos que são empreendedores em
tecnologia e informática. Sempre foram minhas referências junto da minha mãe já
que perdi meu pai quando eu tinha dois anos. Não tive esse privilégio de
conhecer meu pai. Foram eles que me alimentaram, são minha base. Minha mãe
sempre me mostrou a realidade. Me ajudou a me formar como homem, principalmente
por essa criação feita por uma mulher. Aos 12 anos minha mãe fazia minhas
inscrições e me levava nos cursos de desenho. Na minha adolescência eu não
sabia o que queria fazer da vida. Meu irmão me orientou a fazer design gráfico
e foi essa ferramenta que me aproximou da arte.

SB – As pessoas entendiam bem a sua paixão pelo grafite?
RL – Ninguém entendia direito o que era grafitar, o motivo
de grafitar de graça. Eu explicava que na rua, o hip hop é sempre envolvido com
questões sociais, sempre voltado para um bem maior, para o conjunto, nunca é
sozinho. Por isso todo mundo se ajuda, conhece outras pessoas. Hoje as pessoas
entendem mais. Fui crescendo assim até chegar aqui com essa forma que encontrei
de viver. Sou design gráfico. Há pouco tempo larguei de trabalhar para os
outros e abri uma empresa, um MEI (Micro Empreendedor Individual) até pra fazer
os meus corres de grafite e de arte, pra ter um respaldo e é mais seguro para
quem me contrata.

SB – O que são os pássaros da exposição?
Dentro de várias simbologias que uso como ampulheta, rosas,
entre outros, uso os pássaros por causa dessa sensação de liberdade que a gente
vê, né? Dentro disso tem várias outras questões como ser livre mesmo e não
poder voar. O que seria isso? Sou artista e não tenho o suporte necessário
ainda para viver de arte, entendeu? Então é uma reflexão. As pessoas brincam
que eu sou o passarinho e muitas das vezes é. Porque às vezes você tá preso e
não consegue achar um lugar pra expor, ou não tem o que expor, não tem como
criar.

Tenho essa liberdade hoje como artista, mas não me vejo como
artista. As pessoas me veem e se isso toca elas, então eu sou artista. Se não,
sou só uma pessoa que tá tentando ganhar novos voos. Então, sou uma pessoa
comum que sonha em ter essa liberdade.

SB – Como você lida com as dificuldades de fazer arte no
Brasil? Como é o seu diálogo com outras formas de arte?

Eu sendo da Baixada não vou me limitar em ir a outros
pontos, quebrar esse tabu social de barreiras, entendeu? Então, ‘ah, não vou
pintar na zona sul porque sou da Baixada?’. Não! Vou criar ferramentas pra
poder me movimentar artisticamente. Preciso ousar em fazer coisas pra poder
conseguir novos rumos. Hoje moro com minha noiva Karol Bené em Bento Ribeiro,
preciso me manter e ainda hoje não é só com a arte porque tenho que fazer muito
freelancer de design. Ela me dá muito suporte, é artista também.

Nota de destaque: Ramon Lid tem alguns trabalhos
marcantes como o convite do DJ Sany Pitbull, em meados de 2018, para ilustrar
seu disco “O Funk Canta Lulu” lançado em plataforma digital com um apanhado de versões
de músicas do Lulu Santos com uma roupagem de funk com interpretes funkeiros
como Naldo Benny, Valeska, Mc Koringa, entre outros. Outro trabalho marcante
foi mural de 85 metros quadrados elaborado junto da noiva Karol Bené no CIEP Adão
Nunes em projeto da Satrápia produções que homenageou alguns ícones culturais.
Ramon e Karol desenvolveram um painel em homenagem a Zeca Pagodinho e, em
homenagem, um painel da ex-diretora Ademilda da Silva José Maria (em memória).

SB – Ramon, nessa sua caminhada quais são as suas
referências?

É complicado porque a gente gosta de certos detalhes do que
um artista faz, do outro mais da atitude. Uma vez minha irmã me levou pequeno
numa exposição do Salvador Dalí. Aquilo foi um gatilho. Aos 15 anos eu fazia
percurso Baixada-Centro-Niterói, sendo que tinha que pegar ônibus na Leopoldina
pra ir pra Niterói. Nessa época eu tive várias influências como Fabio Ema – um
dos percursores que expandiu o conhecimento do grafite e o que era o hip hop no
Rio de Janeiro. Outros também são Carlos Bobi, Marcelo Ment, Marcelo Eco, Gil
Faria, Marcio Grafite, Erko e Treco e Redley. Detalhe que com 13 anos vi uma
capa d’O Rappa feita pelo Doze Green, um artista de Nova Iorque, do Rock Steady
Crew, veio passar um tempo aqui, conheceu o Marcelo Yuka e produziu o “Lado A,
Lado B”. Ele teve essa vivência do Rio de Janeiro, do carioca, de favela. Ele
conseguiu sintetizar na capa e foi um divisor de águas pra mim. Passei assim
buscar entender a arte. Foi com Dalí e Van Gogh que percebi que grafiteiro
podia ter outras referências fora do hip hop, poderia saber o que era arte
clássica, estudar mais.

Costumo dizer que o grafite é a porta de entrada para artes
mais pesadas. Fui estudar arte contemporânea, arte brasileira, o que teve em
1922 (Semana de Arte Moderna) pra ter embasamento, porque sem conteúdo a gente
não vai chegar a lugar nenhum. E hoje essa exposição que tô fazendo pra galeria
traz muito dessa mentalidade aí, pra eu não me fechar totalmente pro grafite,
tanto que é meu laboratório preferido. Na rua as pessoas te param, te indagam.
Então não sou nada se eu não fosse da rua. Não seria esse artista com essa
exposição nessa galeria se eu não fosse da rua. Então essa verdade é que
carrego comigo, entendeu? Há uma diferença da rua pra galeria, mas é uma
mudança de mentalidade e oportunidade. Dar voos maiores como o pássaro.

SERVIÇO
Exposição Enquanto os Pássaros Ainda Vivem
De 11/03 a 31/05 | Ter a Sex 10h Às 16h, Sab 10h às 14h
Entrada franca
Sesc Meriti
Av. Automóvel Clube, 66
Centro, São João de Meriti
Mais informações: https://www.facebook.com/events/2277652012537384/

Reportagem: Thiago Kuerques

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