Baixada Fluminense: Berço da Revolução Verde Brasileira

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Baixada Fluminense: Berço da Revolução Verde Brasileira

Até o ano de 2030, espera-se que o Brasil supere os EUA e se torne o maior exportador de grãos do planeta, com uma produção total de cerca de 318 milhões de toneladas. Só no mercado mundial de soja, a principal commodity brasileira, o Brasil deve representar nada menos do que 52%. E embora a participação do Estado do Rio de Janeiro seja hoje menos do que insignificante para a pujança do “Ciclo da Soja”, um fato curioso, que a maioria dos nossos irmãos fluminenses desconhecem, é que este novo ciclo de riquezas do Brasil teve sua origem aqui. Foi aqui na “Velha Província” (antigo apelido do Estado do Rio antes da fusão com o Primeiro Distrito Federal em 1975), mais precisamente na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), na cidade de Seropédica, na Baixada Fluminense, que foram feitas as primeiras descobertas técnico-científicas que culminaram na Revolução Verde Brasileira em fins de 1960.

Em nível global, a Revolução Verde foi um processo de modernização da agricultura ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, impulsionado originalmente pela Fundação Rockfeller. Iniciado no México nos anos 1950, e ganhando força na década seguinte no Brasil, Índia, Paquistão e Filipinas, o movimento de incorporações de novas tecnologias no campo proporcionou um aumento exponencial da produção de alimentos no planeta, o que culminou na retirada de mais de 600 milhões de seres humanos da miséria extrema entre 1970 e 1980. Sem a Revolução Verde, o mundo seria incomensuravelmente mais faminto do que ele é hoje. No Brasil, a Revolução Verde foi também um dos pilares do chamado “Milagre Econômico”, ocorrido entre 1968 e 1973. Esse modelo de agricultura derivou seu alto desempenho: 1) do emprego da biotecnologia para a manipulação genética das sementes; 2) da mecanização do campo; e 3) do uso de insumos químicos, como defensivos agrícolas (ou “agrotóxicos”) e fertilizantes nitrogenados.

E é justamente em relação os fertilizantes nitrogenados que a Baixada Fluminense se destacou como território de inovação da soja. Um dos grandes calcanhares de Aquiles da agricultura brasileira desde sempre é que o Brasil, apesar do clima propício para a produção de alimentos, tem o solo extremamente ácido e pobre de nutrientes. Ao contrário do senso comum rasteiro que permeia o imaginário nacional (o qual, diga-se de passagem, é quase sempre equivocado), o dito “no Brasil em se plantando tudo dá” não poderia estar mais longe da verdade. A agricultura no Brasil sempre foi muito, muito difícil, visto que as terras cultiváveis se desgastam muito rapidamente. Aliás, esse foi um dos motivos pelos quais os nossos antepassados ameríndios, tanto do tronco macro-jê (oriundo do Estado do Tocantins) quanto do tronco tupi (oriundo do atual Estado de Rondônia), nunca conseguiram estabelecer uma grande civilização unificada ou federada nos moldes de outros grupos ameríndios na América do Norte, apesar de terem conquistado territórios maiores, por exemplo, do que aqueles correspondentes ao Império Tawantinsuyu (ou “Império Inca”), e às civilizações Maias e Astecas.

O que torna o solo brasileiro adverso para a agricultura é a sua dificuldade de fixar, entre outros nutrientes, o nitrogênio. Apesar de abundante no ar, o nitrogênio é de difícil fixação na terra. Os ameríndios sabiam disso, e por essa razão, a sua agricultura era baseada em incendiar trechos de floresta para que a matéria orgânica das plantas e animais reduzidos a cinzas servissem de base nitrogenada para o solo. Nessas áreas incendidas, era possível plantar com algum aproveitamento. Contudo, após um período de alguns meses, em decorrência da chuva e outros fatores, o solo voltava a empobrecer e as aldeias precisavam ser movidas para um novo trecho da floresta, o qual precisava ser novamente incendiado, e o ciclo se repetia. Apesar da América do Sul ser o berço da civilização no continente americano (a primeira cidade humana das Américas, Caral-Supe, no Perú, data da época da construção das grandes pirâmides do Egito), o território que compreende o Brasil nunca saiu verdadeiramente do paleolítico devido à dificuldade de se estabelecer grandes cidades neste vasto território. Uma civilização complexa e especializada exige uma produção abundante de alimentos, algo que o atual território brasileiro, até o século XX, sempre teve dificuldade de fornecer. Não é coincidência que os principais cacicados da região amazônica ou os povos do Sambaqui (oriundos do Estado do Rio de Janeiro) eram civilizações sedentárias de base alimentar pesqueira, e não agropastoril.

Johanna Döbereiner. Foto: reprodução/internet

Johanna Döbereiner. Foto: reprodução/internet

Tudo isso mudou a partir de 1960 com o início do projeto brasileiro de expandir a produção de grãos e posteriormente de produzir carros movidos a álcool. Como a maior parte do território brasileiro era inapto para a produção em larga escala de soja devido as deficiências naturais dos solos brasileiros, principalmente em regiões de Cerrado, diversas instituições de pesquisa começaram a se dedicar ao estudo do melhoramento do solo. Entretanto, o principal pontapé para o início do “Ciclo da Soja” no Brasil ocorreria na Baixada Fluminense, já que a UFRRJ foi pioneira no desenvolvimento de técnicas de fixação de nitrogênio no solo. As pesquisas na UFRRJ foram comandadas pela profa. Johanna Döbereiner, engenheira agrônoma brasileira, nascida na República Tcheca. Foi graças as técnicas desenvolvidas pela profa. Döbereiner, que estudava a associação entre plantas e bactérias fixadoras de nitrogênio, que o Brasil hoje tem o menor custo de produção de soja do mundo. Uma pesquisa que nasceu na Baixada Fluminense, antes mesmo da existência da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), criada em 1973, e que possibilitou o desenvolvimento de boa parte do Brasil, particularmente da região Centro Oeste.

Ter tornado possível a agricultura de soja e milho em larga escala no Cerrado brasileiro e colocado o Brasil no mapa do agronegócio mundial não foi a primeira, nem a única grande contribuição dos baixadenses para o todo da civilização brasileira. Tanto no passado quanto no presente, apesar de suas dificuldades e mazelas, a Baixada Fluminense ou Baixada “Mãe da Revolução Verde” sempre esteve a frente, como carro-chefe, de muitas das revoluções políticas, sociais, culturais e tecnológicas do Brasil. Mas para que este território de inovação continue fértil é preciso um duplo movimento de valorização de nosso passado grandioso e de investimentos e visão para o futuro.

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