A Bica da Mulata é um daqueles monumentos que, à primeira vista, pode parecer apenas uma escultura antiga no meio da cidade. Mas, para Belford Roxo, ela representa muito mais: é um símbolo do início do acesso à água potável, um marco da história urbana local e uma testemunha silenciosa das transformações da cidade ao longo dos séculos.
Uma peça do império francês no coração da Baixada
A escultura de ferro fundido da Bica da Mulata foi uma das 182 obras trazidas ao Brasil no século XIX por Dom Pedro II, direto da França. Produzida na prestigiada fundição Val d’Osne, famosa por suas peças com traços renascentistas, a escultura representa a deusa Euterpe, associada às águas e à poesia na mitologia grega. Mas foi a ação do tempo e da oxidação do ferro que acabaram por transformar a aparência da escultura e lhe deram o apelido popular de “Mulata”.
Inicialmente instalada em frente à estação de trem de Belford Roxo, a bica servia como fonte pública, oferecendo água aos viajantes e moradores. Sua presença marcava o início de um tempo em que o acesso à água potável passava a fazer parte da paisagem urbana da cidade.
Da Praça do Mercado ao esquecimento — e de volta
A bica também decorou a antiga fonte artificial no centro do Pátio do Mercado Santo Antônio, onde funcionava o Departamento dos Servidores Públicos. Por décadas, ela foi parte da rotina da população, até que, na década de 1950, foi misteriosamente roubada.
Anos depois, a escultura foi localizada no Rio de Janeiro. Somente em 1995, após a emancipação de Belford Roxo, a Bica da Mulata foi oficialmente devolvida ao município e reinstalada na Praça Getúlio Vargas, no centro da cidade. A devolução foi vista como um resgate simbólico da memória da cidade recém-autônoma, reafirmando seu valor histórico e afetivo.
Mudanças recentes e desafios de preservação
No final de 2020, a Bica da Mulata foi novamente transferida — desta vez para a rotatória da Bayer, um ponto de Belford Roxo com pouco fluxo de pedestres. A mudança gerou críticas de moradores e admiradores da história da cidade, que viram no novo local uma espécie de “esquecimento forçado” de um dos ícones mais antigos da cidade.
A falta de visibilidade atual contrasta com o reconhecimento que a escultura já teve no passado: em determinada época, a Bica da Mulata foi até homenageada pelo sistema Telebrás com a sua imagem estampada em cartões telefônicos, um registro oficial de sua importância no imaginário nacional.
Uma entre várias, mas única para Belford Roxo
Embora existam outras bicas do mesmo modelo espalhadas pelo Rio de Janeiro — como as que estão na Pavuna e no Largo dos Leões, em Botafogo —, a de Belford Roxo carrega uma história particular. Sua trajetória está diretamente ligada ao desenvolvimento da cidade, à luta pelo direito à água e à construção da identidade de um território que muitas vezes foi invisibilizado.
Hoje, a Bica da Mulata é muito mais do que uma relíquia do passado imperial. Ela é um símbolo de resistência, memória e valorização do patrimônio local. Cabe à população e ao poder público garantir que sua história continue visível, acessível e respeitada.