Baixada Fluminense representa quase 25% dos casos de violência contra a mulher no Rio de Janeiro

De acordo com estudo, mulheres negras, de 30 a 59 anos e com baixa escolaridade representam o perfil das vítimas.

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Baixada Fluminense representa quase 25%  dos casos de violência contra a mulher no Rio de Janeiro

De acordo com dados do boletim Feminicídios e a Política de Segurança Pública na Baixada Fluminense, as tentativas de feminicídio na região triplicaram em 2019 em comparação ao ano anterior, passando de 22 para 74 casos. As informações foram elaboradas pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), com base nos dados do Instituto de Segurança Pública.

A pesquisa também destaca que, em 2018, foram registradas 29 mil ocorrências de violência contra as mulheres na região, um aumento de 18% em relação ao ano anterior. Sendo as denúncias: 38,8% de violência física; 31,3% de violência psicológica; 20,5% de violência moral; 5% de violência sexual e 4% de violência patrimonial.

Como resultado, a Baixada Fluminense apresenta a proporção de 83,8 vítimas de violência sexual por 100 mil mulheres habitantes, ficando em segundo lugar com mais ocorrências quando analisado pelo viés populacional. Já segundo o Dossiê da Mulher, divulgado no segundo semestre de 2020 pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), a região representa 23,8% dos casos, ocupando a terceira posição no Estado do Rio de Janeiro.

Além disso, o estudo mostra que dentre as vítimas, 61,4% são mulheres negras. Segundo o boletim, o perfil das vítimas na Baixada Fluminense é de mulheres negras, de 30 a 59 anos e com baixa escolaridade.

Em 50% dos casos, os agressores são companheiros e ex-companheiros.

Considerando os dados, o Site da Baixada ouviu cerca de dez mulheres de diferentes idades por meio de troca de mensagens, áudios e e-mails. Entretanto, nem todas se dispuseram a compartilhar seus depoimentos por motivos particulares. Ressalta-se ainda que os depoimentos a seguir omitem os nomes verdadeiros das vítimas, sendo usados nomes fictícios, a fim de garantir a segurança de todas.

“No trem isso acontece o tempo todo”, relatam as entrevistadas. Indo para o trabalho, voltando da faculdade ou até a passeio, todas as dez mulheres compartilham que já sofreram ou presenciaram casos de violência sexual nos vagões de trem.

Ao observar as pesquisas, relatos como estes se refletem em dados. Ainda de acordo com o Dossiê da Mulher, os registros de importunação sexual ocorrem, em sua maioria, fora de casa, tendo como principal cenário o transporte público.

Para isso, o estudo considera como crime qualquer ato libidinoso sem o consentimento da vítima, como passar a mão em partes íntimas ou esfregar o órgão sexual em outra pessoa. Enquadrado como crime pela Lei n°13.718/2018, a pena pode variar entre um a cinco anos, sendo aumentada em casos graves.

Ana conta que foi uma das vítimas dessa triste estatística. A jovem estava no vagão feminino a caminho da faculdade.

“Ele entrou em Ricardo de Albuquerque. Nesse dia, o trem tinha parado entre Madureira e Cascadura e estava muito cheio. Por volta das 8h00, eu estava indo para a faculdade. Eu senti um incômodo na minha coxa, mas não tinha como sair do corredor. A moça que estava do meu lado sentiu que tinha algo errado e me cutucou no ombro e outras foram me empurrando para a porta, mas ele veio atrás de mim para continuar roçando na minha perna. Então, elas começaram a gritar e ele foi para outro vagão. Como o trem não andava, eu acabei descendo uma estação antes da minha. Fiquei mais de uma hora sentada lá, perto dos guardas, com medo dele ter vindo atrás de mim. Não denunciei. Depois disso deixei de vestir roupas justas, do tipo short e saia, quando tenho que usar o transporte público lotado nesses horários de pico.”

A cada três mulheres, uma já sofreu violência física/sexual durante a vida, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Maria conta que teve contato com o quadro aos 17, quando estava numa festa acompanhada de sua irmã: “Estava com a minha irmã que já tinha 20 anos na época. Nós estávamos saindo do local, quando ainda na parte de dentro, perto do banheiro, eu senti alguém segurando meu braço. Eu chamei minha irmã. Ela viu a situação e tentou soltar meu braço da mão do homem que a segurou e deu um tapa na bunda dela por ter me ajudado. Ou seja, nós duas sofremos assédio pelo mesmo homem. Depois desse episódio nunca mais quis ir pra balada, já que essa situação me marcou muito de uma forma ruim.”

Olhando para Baixada Fluminense

Além das mulheres entrevistadas, o SB também ouviu a superintendente estadual de enfrentamento à violência contra a mulher. Em entrevista, Patrícia Xavier discorre sobre a temática atravessada pelo território baixadense.

SB: Abarcada pela Lei Maria da Penha, a violência psicológica também é uma das várias formas de agressões que as mulheres sofrem. Uma das mais perigosas: muitas vezes, nem a própria vítima se dá conta de que o que sofre é um crime. Como a gente pode mostrar que essa violência vai além do ataque físico, sobretudo para as vítimas na Baixada Fluminense, onde o nível de instrução sofre referência da circulação de informações?

Patrícia Xavier: Eu vejo em alguns municípios da Baixada, quase todos tem, OPM – Organismo de Políticas para Mulheres e CEAM – Centro Especializado de Atendimento à Mulher e eles fazem periodicamente campanhas seguindo o calendário de políticas para a mulher ao invés de propagar a campanha durante todo o ano. No entanto, eu também vejo as prefeituras massificando através dos CRAS e dessa assistência às campanhas contra a violência. O que tem muita importância, apesar da violência perpassar por qualquer coisa: classe social, grau de instrução… Haja vista a própria Maria da Penha que tinha curso superior, era uma mulher branca e tinha essa situação financeira razoável.

SB: Considerando que o enfoque se concentra em datas sazonais, como pensar em políticas públicas voltadas para as mulheres da Baixada Fluminense?

Patrícia Xavier: As mulheres casam muito cedo, tem filhos muito cedo e muitas vezes ficam na coisa de cuidar dos filhos e não se qualificam. A política para mulher não é só o enfrentamento, tem outros fatores como o trabalho da autonomia da mulher através de cursos de capacitação e oficinas, para qualificar e inseri-las no mercado de trabalho, com um olhar mais refinado se priorizando. Isso é importante. Até porque ela tem filhos, e isso é uma exigência do mercado de trabalho além da sua qualificação. Então, o empoderamento dessa mulher mostra que ela é capaz.

SB: Pensando nas crianças, como trazer esse assunto para dentro das escolas?

Patrícia Xavier: A Lei Maria da Penha também prevê atividades educacionais, como trabalhar com jovens, meninos e meninas a desconstrução em questão da violência. Muitas vezes, a violência está presente dentro da família e assim tem uma normalização, por isso a importância de que os colégios abracem as causas para que eles não possam reproduzir o comportamento. Porém, tem vários colégios onde ocorrem apenas palestras ao longo do ano, mas acho que deveria ser incluído no plano pedagógico obrigatório, como um programa contínuo.

SB: Consideramos muito importante a existência de dados específicos que abrangem a violência contra a mulher na Baixada Fluminense. Poderia nos contar um pouco mais sobre como ocorre a coleta de dados pelo Estado?

Patrícia Xavier: O Dossiê Mulher tem um filtro que pode entrar por município. Inclusive, já fizemos essa leitura através da OPM e a Baixada possui dados muito expressivos de uma forma que precisa de um olhar especial. Além disso, a Região Metropolitana tem um organismo de política para a mulher de coordenadoria, secretaria e centros de atendimento. Inclusive, Duque de Caxias tem dois centros de atendimento: um de reabilitação de homem, autor da violência, e para a mulher, uma casa de curso para empoderar essas mulheres do CEAM.

SB: Apesar do grande números de casos, ocorrem bastante subnotificações na Baixada Fluminense. Por que essas vítimas notificam incorretamente?

Patrícia Xavier: A gente tem que empoderar as mulheres a notificar. O que acontece é que o agressor é muito terno. Não é alguém que ela não conheça, mas sim uma pessoa que ela escolheu para estar com ela, uma pessoa que ela gosta. Imagine o sofrimento para essa mulher? Às vezes ela tem filhos e depende financeiramente do agressor, existe uma gama de motivos que talvez ela não faça a ocorrência. Assim, a subnotificação é alta na Baixada sim, por esses motivos e outros como: falta de rede, falta de apoio da família, medo do agressor, crença religiosa, etc.

Entendendo a lei

A Lei n° 11.340/2006 (Maria da Penha) define como violência sexual qualquer conduta que constranja e/ou obrigue a participar, manter ou presenciar ato sexual não desejado, mediante a intimidação, ameaça, coação ou uso de força. Além disso, também é considerado crime matrimônio forçado, o impedimento do uso de contraceptivos à gravidez, ao aborto ou à prostituição.

Já o crime de assédio sexual, trata-se de um ato libidinoso sem o consentimento da vítima, dentro de uma relação de hierarquia, podendo ou não ter contato físico. Enquadrado como crime pelo artigo 216 do Código Penal, a pena pode variar entre um a dois anos de prisão.

No caso de estupro, o abuso é enquadrado como crime hediondo de acordo com o artigo 213 do Código Penal. Para a lei, o ato consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, para obter conjunção carnal. Como também qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha como fim a satisfação da libido do autor e, eventualmente, pode se consumar até mesmo sem contato físico direto.

Nesses casos, a lei prevê pena de 6 a 10 anos de reclusão para o criminoso, aumentando para 8 a 12 anos se há lesão corporal da vítima ou se a vítima possui entre 14 a 18 anos de idade e, para 12 a 30 anos, se a conduta resulta em morte.

A importância de definir os tipos de crimes que violam a dignidade sexual situa-se na garantia de que a vítima possa tomar as providências corretas para cada caso.

Em caso de violência, não se cale. Denuncie para:

Centros Especializados de Atendimento À Mulher – CEAM

Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher

180 – Central de Atendimento à Mulher

190 – PM

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