Mulheres, crochê e arte: o elo da desvalorização no mercado
Apesar da produção de mão de obra feminina desenhar o artesanato no Brasil, o trabalho manual ainda não é reconhecido como tal
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Por Larissa Medeiros
A desvalorização do trabalho manual sempre foi uma realidade no mercado. Nos últimos anos, as denúncias de marcas que exploravam seus costureiros a condições insalubres ficaram ainda mais em voga.
Em 2019, uma lista com mais de 2 mil trabalhadores em situações análogas à de escravo foi publicada pelo Ministério da Economia entre os anos de 2017 a 2019. Também chamada de “lista suja do trabalho escravo” pelo próprio Ministério, os colaboradores praticavam o exercício de suas funções em fazendas, obras de construções civis, mineração, garimpo e costura. Os vínculos empregatícios eram estabelecidos por empresas e pessoas físicas.
A atual constituição brasileira prevê o trabalho análogo à escravidão quando a função é exigida de forma forçada em conjunto com a precarização do ambiente do colaborador ou as longas jornadas de trabalho. Além disso, a excessiva pressão dos chefes também um dos tópicos para observação desta prática.
Em sua rede social, Thaís Costa, 27 anos, artesã e produtora cultural da Baixada Fluminense, ressaltou a desvalorização da costura pelo público. Na publicação, ela questiona:
“Você trabalharia 2 semanas seguidas por R$200,00? Então por que você pechincha quando vai comprar um produto feito a mão por esse valor que demorou esse tempo todo para ficar pronto?”.
Apesar da postagem recente, Thaís convive com este cenário desde muito nova quando via sua mãe e avó trabalhando com este tipo de produção. Porém, há dois anos, quando também decidiu seguir no mercado, começou a viver, igualmente, a desvalorização do público. “Eu sempre me questionei muito a respeito da desvalorização do trabalho, principalmente enquanto mulher, artesã e periférica e esses questionamentos ficaram cada vez mais fortes em mim depois que entrei na Universidade”, disse a produtora cultural.
Em uma matéria publicada pela UOL, a indústria dos tecidos foi exposta por ser a responsável pelo maior número de denúncias de condições precárias de trabalho no estado de São Paulo (SP), de acordo com o Ministério Público do Trabalho. Além disso, as mulheres compõem a maioria no cenário de desvalorização.
Thaís também comenta que seu trabalho de conclusão de curso foi produzido com base na sua vivência no crochê e, depois disso, decidiu ampliar sua visão com outras entrevistadas que utilizavam o crochê como terapia, fonte de renda, passatempo e até mesmo para seguir com a tradição familiar.
Uma das entrevistas foi realizada com sua avó, que passou por perdas na família e usou o talento para desviar a tristeza que acabou por servir também como laço na relação. “Eu criei um elo ainda mais próximo com elas e passei a me conhecer muito mais também. Não é aquela coisa de dom, de “nasci pra isso”, sabe? Mas é algo que já estava em mim, porque esteve nelas. Em todas as que vieram antes, algumas que nem conheci, nem ouvi falar. É algo muito maior, eu acho que posso chamar de uma jornada de autoconhecimento mesmo”, relembra.
Adaptações durante o COVID-19
Antes da pandemia, a iguaçuana frequentava feiras e eventos que foram paralisados devido à pandemia, inclusive sua própria exposição intitulada de “CRIAS DA BXD”. Além disso, a artesã também utilizava as redes sociais como forma de exposição do seu trabalho que, hoje, é sua única forma de venda. No Instagram, ela publica seus produtos e textos sobre sua mãe e sua avó, que também costuram para a Nós Crochet. Quanto aos produtos, Thaís é a única pessoa que sai para as entregas e compra de materiais.
Apesar das vendas não terem sido tão prejudicadas durante este hiato no comércio, o preço das produções sofreram alterações devido ao preço elevado de algodão nesta época, motivo este provocado pela a produção nas lavouras que também foi afetado.
A desvalorização do trabalho manual na pandemia
A moradora de Nova Iguaçu afirma que, apesar da pandemia ter trazido novos olhares para com o pequeno empreendedor e a forma de consumo de produtos, não transformou completamente a desvalorização.
“Valoriza-se em geral o pensar, não o fazer. O fazer e quem faz continua sendo deixado de lado. Não se questiona valor de trabalho, porque o valor do trabalho artesanal não é só o preço, não é algo calculável. O artesanato vai contra essa lógica do capitalismo e ir contra isso dentro de uma sociedade que só estimula o consumo e a produção em massa é resistir todo dia. São as pessoas que fazem, não as máquinas”.
Mais do que trazer o artesanato para discussão, Thaís também trouxe o olhar de uma mulher artesã e periférica para este cotidiano e diz que “trabalho feminino por si só é visto como inferior, isso porque a mulher foi direcionada ao trabalho reprodutivo, de cuidado da casa e dos filhos, sendo privada do ambiente público e do trabalho produtivo. Quem não produz, não tem valor na sociedade do capital. Então a gente junta tudo isso ao fato de ser mulher na Baixada Fluminense (região ainda marginalizada) e ser artesã. E pior, lidar com esse cenário de pandemia mundial”.
Ela ainda lembra que o trabalho de artesão nunca foi valorizado como primeira e única profissão. “Eu vivo disso, esse é o meu trabalho. Eu não preciso falar que sou artesã e as pessoas me perguntarem: “Mas você trabalha com o quê?”. Eu trabalho com as minhas mãos, com a minha mente, com a minha história. E eu tenho o maior orgulho de falar que sou uma mulher que faz. Numa sociedade como a nossa, viver daquilo que somos é um ato político”, finaliza ela.
SERVIÇO
Instagram – Nós Crochet
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