Conselheiro Estadual de Políticas Culturais (2021/2022) e professor do bacharelado em produção cultural do IFRJ/Nilópolis

A cultura, a pandemia e o novo ano na Baixada Fluminense

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#Lei Aldir Blanc #Pandemia

A cultura, a pandemia e o novo ano na Baixada Fluminense

Final de ano é aquele período em que aparecem as retrospectivas e as previsões para o ano novo. A retrospectiva de 2020 é diferente de todas as outras que a nossa geração viveu. A pandemia é a grande marca de 2020. Na cultura, não seria diferente. Primeiro setor a fechar as portas naquele sábado, 14 de março, os trabalhadores e as trabalhadoras da cultura viram as suas possibilidades de trabalho e renda irem diminuindo à medida que as infecções pelo Covid-19 iam aumentando.

Ainda em abril de 2020, o centro de estudos de economia da Universidade Federal de Minas Gerais apontou para um rombo de R$ 11 bilhões de reais na área cultural se tudo ficasse fechado por pelo menos 3 meses. Já estamos há 9 meses “fechados”, trabalhando em home office e/ou esperando um auxílio governamental. Pois, as trabalhadoras e trabalhadores da cultura serão os últimos a retornar à normalidade. É verdade que alguns artistas conseguiram rapidamente transformar as suas atividades presenciais em atividades remotas. Vários shows virtuais (as hoje famosas lives) invadiram as nossas casas e telas. Porém, essa é a verdade para um grupo muito pequeno de artistas e as trabalhadoras e trabalhadores da cultura são mais do que isso. São iluminadoras, operadoras de som, camareiras, cozinheiras, produtoras culturais e uma série de profissionais que não tem como transformar os seus fazeres em atividades remotas.

Uma grande articulação nacional frente à crise que apontava para a área cultural se iniciou ainda em março de 2020. A partir de reuniões municipais, estaduais e nacionais através de redes virtuais – webconferências – tendo a participação de gestores públicos, produtores culturais, políticos e artistas de todo o país teve como produto o Projeto de Lei 1075/2020, encabeçado pela Deputada Federal Benedita da Silva (PT/RJ). Após virar lei, sob o número 14.017/2020,  a Deputada Federal Jandira Feghali (PcdoB/RJ), que foi a relatora e uma das maiores defensoras da lei, a batizou de Lei de Emergencia Cultural Aldir Blanc, em homengem ao famoso compositor que faleceu de Covid-19, em maio de 2020.

A Lei Aldir Blanc, como ficou conhecida, tem como objetivo principal proporcionar uma renda emergêncial de sobrevivência aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura e, também, buscar a sobrevivência de espaços culturais, equipamentos culturais comunitarios e instituições culturais formais ou não. Além disso, um dos mecanimos da Lei Aldir Blanc obriga que pelo menos 20% dos recursos que chegarão aos municípios e aos estados seja disponibilizado ao setor cultural através de editais, chamadas públicas e prêmios. Em um acordo entre a União, Estados e Municípios, a renda emergêncial de sobrevivência ficou sob a responsabilidade dos Estados.

Sabemos que no mundo das ideias tudo é possível, porém é no município que as pessoas vivem e que as leis se concretizam. Olhando para a Baixada Fluminense, observamos, desde o início, a falta de experiência da maioria dos gestores públicos em produzir os mecanismos de democratização do acesso aos recursos. Lembrando que dos 3 bilhões de reais que a Lei Aldir Blanc direcionou para os Estados e Municípios repassarem para as trabalhadoras e trabalhadores da cultura, a Baixada Fluminense recebeu mais de R$ 24 milhões, distribuidos por município como apresentado na tabela a seguir:

 

Tabela com os valores destinados para as cidades na Baixada Fluminense:

Cidade Repasse
Belford Roxo R$ 3.105.580,95
Duque de Caxias R$ 5.438.926,45
Guapimirim R$ 424.843,76
Itaguaí R$ 889.265,70
Japeri R$ 713.547,40
Magé R$ 1.587.841,59
Mesquita R$ 1.194.080,62
Nilópolis R$ 1.116.330,98
Nova Iguaçu R$ 4.876.740,28
Paracambi R$ 377.684,71
Queimados R$ 1.039.659,26
São João de Meriti R$ 2.885.771,80
Seropédica R$ 570.914,66
Total R$ 24.221.188,16

Fonte: Confederação Nacional dos Municípios (CNM, 2020)

Pelo montante dá para perceber o tamanho do desafio em fazer com que esse recurso após chegar no município, chegue nas mãos dos fazedores culturais. Por isso, estamos hoje comemorando a prorrogação no prazo de execução da Lei Aldir Blanc para 31/12/2021. Além do grande volume de recursos, nós tivemos a lentidão do governo federal em regulamentar a lei e repassar os recursos para os municípios – aliada à já salientada falta de experiência da maioria dos gestores públicos em lidar com os trâmites/entraves burocráticos – o que dificultou o pagamento de todos os editais e prêmios realizados.

Mesmo com esses problemas e outros que não cabe aqui comentar, todos os municípios da Baixada Fluminense conseguiram cumprir as regras para receber os recursos. E isso é uma vitória e aprendizado. Não podemos esquecer, também, que os recursos chegaram durante a campanha eleitoral para prefeito. A construção dos prêmios e editais de seleção dos grupos culturais e artistas se deu nesse ambiente conhecido por todos que são da Baixada Fluminense.

Cabe salientar, ainda, que os projetos acontecerão de verdade em 2021. Isto é, durante a gestão de uma nova equipe nos municípios que não tiveram os prefeitos reeleitos ou os que terão substituição do secretário de cultura e sua equipe, como é o caso do município de Nilópolis. Porém, ao invés disto ser um problema, vejo como um novo período de aprendizado, desta vez para os novos gestores culturais.

Como visto na tabela, os recursos são bem vultosos. Para se ter uma ideia, o município de Queimados recebeu da Lei Aldir Blanc 5 vezes o orçamento destinado à secretaria de cultura no ano de 2019. Nunca a área cultural da Baixada Fluminense recebeu tanto recurso de uma vez só. Isso significa que, sem esquecer o ponto principal da LAB, que é a sobrevivência da trabalhadora e do trabalhador da cultura e dos espaços culturais comunitários, podemos vislumbrar uma produção cultural recorde na Baixada Fluminense, ampliando a visibilidade das diversas ações culturais na região. E se tem uma coisa abundante na BXD é ação cultural. Ao invés de carência, temos uma potência artística que vinha sofrendo uma enorme crise desde antes da pandemia. Me atrevo a dizer que desde pelo menos 2015.

Mas, voltando aos aspectos positivos da Lei Aldir Blanc, acho que devemos olhar para as contrapartidas dos projetos aprovados. Todas as contrapartidas terão como público beneficiário alunos e alunas das escolas públicas. Mais acesso à produção cultural da BXD que poderá influenciar na conquista de “novas e novos artistas” na região. Sabemos como é importante termos acesso à arte, sempre, mas, principalmente na fase de formação de nossa identidade.

Assim, 2021 virá ainda com uma pandemia que nos fará sofrer muitas perdas. A vacina ainda demorará a chegar e a salvar mais vidas. Porém, na área cultural da Baixada Fluminense temos uma oportunidade de avançarmos não apenas na sobrevivência das trabalhadoras e trabalhadores da cultura, mas, também, em induzirmos um movimento anticíclico que faça a área cultural sair mais fortalecida do que entrou na pandemia.

Mas, 2021 também será um ano de luta e reorganização das representações das trabalhadoras e trabalhadores da cultura. Há uma oportunidade para criação de Conselhos Municipais de Política Cultural onde não existirem. E, estes conselhos deverão ter como meta a criação de Planos Municipais de Cultura e dos Fundos Municipais de Cultura. Pois, só assim, a política pública de cultura poderá se tornar perene em cada um dos 13 municípios que compõe a Baixada Fluminense. E, quem sabe as Instituições de Ensino Superior (IES), que hoje são uma realidade na região, não poderão ajudar a construir uma instância regional de cultura na Baixada Fluminense nos moldes de Consórcios Municipais integrando os agentes culturais com os representantes dos poderes públicos locais para pensarem em políticas culturais para além do limite de cada município?

Apesar de tanta dor e sofrimento que vivenciamos e que, temo, ainda vivenciaremos no ano que vem, estou animado em ver 2021 acontecer. Feliz Ano Novo!

Opinião

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site da Baixada

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Um comentário

  1. Filipe Cavalieri disse:

    Belo texto do João Guerreiro.
    Também estou animado

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