A poesia no olhar do artista periférico em “Xepa”, novo trabalho do músico Léo Peixe

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A poesia no olhar do artista periférico em “Xepa”, novo trabalho do músico Léo Peixe

O final de uma feira livre pode ser valioso para quem tem pouco e para quem dá valor para o que muitos consideram sobras. Xepa, o novo EP do músico iguaçuano Léo Peixe, traz um trabalho que busca extrair poesia do cotidiano da Baixada Fluminense. Segundo Léo, Xepa é a primeira leva de músicas de uma “tetralogia” que busca extrair e buscar do cotidiano, do banal, do aperto, da dureza, da rotina, a poesia no dia a dia e dela tirar a matéria prima.

“Acho que quem é da Baixada, no geral, não se sente contemplado pela caricatura do carioca.”

Léo é professor de história e se equilibra entre o magistério e a música. O artista conta que o estímulo musical se deu quando ganhou um violão aos 12 anos. “Tenho esse instrumento até hoje: um Di Giorgio 2001”, conta. O início se deu nos anos 2000 através do rock por influência do irmão mais velho, Jonathas, que escutava bandas como Sepultura.

“Lembro que quando escutei pela primeira vez Sepultura, tive certeza de que eu queria ser o Igor Cavalera, batera da banda.”

Léo Peixe conta que a bateria não foi possível por conta do custo. Mas, segundo o artista, sobretudo pela estrutura física do local onde vivia: um conjugado com tio, avó, primos e afins. O local descrito é retrato de muitos lares da Baixada Fluminense. Os conjugados são habitações independentes adaptadas de uma habitação maior. Uma casa que, por exemplo, é transformada em duas. “Ou seja, tocar bateria ali seria impossível”, relata o músico.

Foi nesta etapa da vida que o violão foi o grande presente que compensou a ausência da bateria. O pai de Léo, Marco, foi aprovado à época em um concurso público no TRT depois de anos conciliando trabalhos de pedreiro, ambulante, merendeiro e, por coincidência poética, feirante. A primeira música tocada no violão, relembra Léo Peixe, foi Come As You Are, da estadunidense Nirvana.
No início do século o acesso às músicas ainda se dava majoritariamente pelas rádios ou por arquivos no formato mp3 baixados em programas específicos como Kazaa, Emule, Limeware, entre outros. A prática exigia uma internet mais potente, algo não muito comum na região no início dos anos 2000. Léo conta que o amigo Gustavo Kuerques foi um grande facilitador. Era na casa do amigo que a internet era melhor e o acervo musical aumentava consideravelmente.

“Acho que fizemos parte da última geração que escutava rádio pra saber o que tava rolando. E isso com a internet começando a mudar o mundo.”

A rádio Cidade, da capital carioca, era no período a grande referência para os amantes do gênero rock. A relevância dos meios de propagação de cultura se mostra fundamental tanto na música, através de rádios, como em outras plataformas como televisão, jornais e, atualmente, redes sociais e sites especializados. Léo conta que a família nunca foi envolvida com arte e que a conexão com a música ocorreu através das rádios.

“Minha primeira lembrança musical é minha vó lavando roupa no tanque, ouvindo as notícias do Vasco na rádio AM e cantarolando Altemar Dutra. Enquanto do lado de dentro da casa minha prima, seis anos mais velha, ouvia as novidades da Furacão 2000 e dos pagodes da época.”

O sonho adolescente de montar uma banda corroborava, segundo Léo Peixe, com os sentimentos do período. “Porque junta com a adolescência, a coisa de se sentir deslocado, a primeira decepção amorosa e a vontade de botar o mundo abaixo com um instrumento na mão”, conta o músico.

A relação com a música só se tornou mais pública e conhecida com a graduação em história na Rural de Nova Iguaçu (UFRRJ-IM). Léo reuniu três amigos da faculdade e mais um membro encontrado em uma comunidade do antigo Orkut (rede social com atividades encerradas em 2014) chamada “Tô sem banda”.

“A música nunca pagou as contas. Então sempre fiquei dividido entre o magistério e música.”

A caminhada de Léo Peixe contem experiências marcantes com a banda Gente Estranha no Jardim, Galove, Marcelo Peregrino, Rodrigo Cae, Tilingo di Pingo. Em 2016, segundo o artista, ocorreu uma “ressaca musical” que durou até o ano de 2021. Nesse tempo o envolvimento foi completo com o magistério e distante da música. “Fiquei só dando aula, terminando o mestrado e estudando pra concurso”, conta.

Léo valoriza o cotidiano da Baixada Fluminense e o olhar do artista periférico ao criar as letras de “Xepa”. O trem, o vagão, os bares, os dilemas, os personagens, todos elementos da região. Baloeiro, uma das faixas do trabalho, fala sobre isso: o organismo vivo que é o ramal Japeri e todos os outros.

“São centenas de trabalhadores que sustentam suas famílias ‘trampando’ no trem, talhando brechas no mar da lotação, pregadores do evangelho, artistas que sempre encontram público pra suas artes, tem de tudo.”

Ao tentar definir o próprio som, Léo conta que há coisas “mixolídias” da região nordeste nos arranjos, do funk, da orquestração em MIDI. Se pode ser definido como uma vertente de uma nova MPB ele afirma não saber.
A mensagem de Léo Peixe que fica para os artistas da Baixada que estão em início de carreira é simples e direto:

“Toquem, produzam, gravem, filmem, escrevam. Não esperem o melhor momento ou as melhores condições. A hora, quase sempre, é agora.”

Léo Peixe faz parte de uma geração que 10 anos atrás estava tentando se entender enquanto artistas da Baixada Fluminense. Segundo o músico, muito dos artistas, principalmente os músicos, carregavam uma necessidade explícita de imprimir em suas obras a busca por uma compreensão estética da Baixada. A questão passa pelo registro cultural da região durante os anos. Não há, por exemplo, uma grande emissora de televisão voltada para a região ou um conglomerado de mídia cujo foco seja as cidades da Baixada Fluminense.

A memória cultural da Baixada tem sobrevivido ao tempo graças ao trabalho dos próprios artistas em preservar a suas obras, com um destaque em especial para a turma da literatura. Na música, no cinema e no teatro, sempre foi mais difícil, afirma Léo Peixe. O motivo, segundo Peixe, é quase sempre material inerente às décadas anteriores: gravar um disco nos anos 70 ou 80 era inimaginável pra alguém da Baixada. Hoje já é possível materializar as obras, como também recuperar e finalmente materializar a obra de compositores de épocas passadas da região, que infelizmente não tiveram o mesmo privilégio tecnológico que temos hoje, sentencia. A pergunta pertinente de Léo é: imagina quantos artistas perdemos pois partiram sem a possibilidade de deixar registrado suas obras? Roque da Paraíba, Edson Show e tantos e tantos outros.

“Temos um problema de memória. No sentido de que a produção literária, cinematográfica e musical da região não é institucionalizada. Ou seja, não aprendemos a Baixada nas escolas, no calendário político regional. Somos quase 4 milhões de habitantes. É aproximadamente a população do Uruguai.”

Uma xepa é o final da feira. O paradoxo de Léo é que Xepa é começo ou recomeço. O “Xepa”, segundo o músico, é a primeira parte de um projeto maior. Basicamente a ideia é a mesma: cantar o cotidiano de um artista periférico. Os dilemas e as belezas também. E sobre a bateria o sonho antigo persiste. Naturalmente dividido hoje entre o amor pela guitarra, violão, cavaquinho e contrabaixo.
“Xepa” tem composição de Léo Peixe, produção musical e gravação de Felipe Samura.

Foto: Mateus Carvalho

Serviço:
Instagram: @l__peixe
Xepa no Spotify: open.spotify.com/album/1m8OUYghimgrDUaobIOCEt

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