Cantor de Caxias, Felipe Vaz reflete suas origens no imersivo álbum “Terra de Mulher Bonita”

Trabalho mescla sons urbanos para discutir a identidade de um Rio de Janeiro plural e além da capital

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Felipe Vaz faz da sua música um encontro consigo mesmo e com a sua regionalidade. Depois do primeiro disco, autointitulado, o artista ressignifica o pop carioca sob um viés de pertencimento e identidade do Rio que vai no sentido oposto dos cartões postais. O novo trabalho, “Terra de Mulher Bonita”, escancara no título a referência à sua Duque de Caxias natal e convida a um mergulho musical e estético de um artista sem medo de abraçar suas origens.

O título do disco é uma homenagem clara ao município da Baixada Fluminense, cujo apelido é justamente “Terra de Mulher Bonita”. O fato se deve a uma placa feita à mão que se localizava na Baía de Guanabara, na altura da Linha Vermelha — principal via de acesso entre a Baixada e a cidade do Rio de Janeiro. Era comum, ao seguir viagem de Caxias para o Rio, se deparar com o emblema “Duque de Caxias: Terra de Mulher Bonita”. Hoje a placa não está mais lá. Não se sabe o que houve com ela, e tampouco sobre o seu célebre autor. O que fica claro é que, pela primeira vez, um álbum musical será totalmente ambientado na cidade de 78 anos, uma das maiores e mais importantes periferias urbanas do estado do Rio de Janeiro.

“A ideia central do disco é poder falar sobre meus amores, paixões, inseguranças, crenças, política e visão de mundo, tendo a cidade como objeto poético. Assim como é ‘belo’ falar sobre a Garota de Ipanema, quero mostrar como é bonito também falar sobre a Terra de Mulher Bonita. Para além do apego local, o álbum é para todos aqueles que amam, choram, sentem saudade, se frustram, e que vão se reconhecer nessa jornada. Claro, será especial para a população da cidade, mas também um convite para mergulhar na cultura de uma das maiores periferias urbanas do Brasil. Uma iniciativa para que possamos nos identificar enquanto seres periféricos e fomentadores da cultura regional”, reconhece Felipe.

Todo esse universo se torna elemento literário: a religiosidade, linhas de ônibus, praças, bares, bairros e festas, que dão o tom suburbano aos mais humanos dos sentimentos, além das figuras e ícones históricos, que são lembrados ao decorrer da obra. Não só na escrita, mas essas referências são levadas também para dentro da estética do trabalho.

“A tradução visual do disco estabelece uma nova perspectiva sobre as cidades periféricas. A fotografia explora bastante a beleza existente nas periferias urbanas, que nós enquanto moradores, não conseguimos enxergar. Lugares que passamos todos os dias, que possuem seus atrativos estéticos e não nos damos conta, ou não queremos nos convencer de que existe esse tipo de beleza onde vivemos. Em harmonia com a poesia e musicalidade da obra, a fotografia do disco nos permite enxergar o ‘belo’ naquilo que não é lido como tal”, sintetiza. “Terra de Mulher Bonita” conta com fotos assinadas por Louize Braga e colorização por Guilherme Ventura, que também colaborou no curta-metragem introdutório para o álbum.

As alvoradas e o pôr do sol, as cores e os sons, os calçadões e os rios de um RJ menos conhecido, mas igualmente vivo, povoam as 19 faixas de “Terra de Mulher Bonita”. Felipe Vaz caminha do sagrado ao profano, do “13 de junho”, dia de Santo Antônio, padroeiro de Caxias, até “Vila São Luís” e “Bicho Homem Bicho Flor”, passando pelo funk sensual de “Turnê”. O artista não se restringe a gêneros ou mesmo limites geográficos, chegando ao bairro de “São Cristóvão”. Da bossa ao beat, do samba ao sample, passando por disco, house, pop, synthwave, new wave, indie rock e baile, Felipe Vaz canta amores e desamores, esperanças e desilusões ao reimaginar uma identidade do Rio e seus arredores mais plural. Tanto que, para criar essa narrativa, Felipe recebe 9 convidados: Bryan Santos, Clá Gouveia, Clara Bastos, Junior Capelloni, NATÖ, yaramay e Rojão, Ventilador de Teto e Sta. Rosa.

“Terra de Mulher Bonita” é uma jornada musical ambiciosa, com experimentações e conceitos novos para a música. Porém, ao mesmo tempo, viaja na estética sonora dos anos 70, 80 e 90, produzindo um resgate musical com características modernas. “Após o lançamento do meu primeiro álbum, senti a necessidade de algo que me traduzisse mais. Durante o processo de composição para o novo disco, percebi que seria impossível falar sobre mim e não falar de Duque de Caxias. As minhas referências, vivências e visão de mundo, foram todas construídas na cidade. Municiado por esse sentimento, decidi dedicar a poesia e estética sonora-visual do disco ao lugar onde nasci, cresci e vivo até hoje”, resume.

As músicas foram todas produzidas por Buzu (Heavy Baile, Her Songs), também nascido e criado em Caxias. Muito da sonoridade do álbum se deve ao produtor, que foi responsável pelas gravações, arranjos, mixagem e masterização. Mesmo se tratando de um disco de artista solo, o trabalho se construiu no coletivo.

“Apesar de longos anos de trabalho bem introspectivos, o apoio da comunidade local foi essencial. Terra de Mulher Bonita não é um álbum que apresenta um discurso de coletividade somente dentro do âmbito conceitual, mas é de fato um produto de esforço coletivo do meio. Além da contribuição dos artistas participantes, tive ajuda da comunidade local na consultoria histórica e musical, estudos geográficos, consultoria e assessoria de comunicação, referências visuais, entre outros processos, engajando uma equipe de pessoas que acreditaram e trabalharam pelo álbum”, comemora Felipe.

O disco soma a uma trajetória de vivência musical que começou há 10 anos, quando Vaz tinha 13 e passou a se dedicar ao violão. Dali vieram as primeiras composições, culminando no primeiro EP, “Registro Ócio”, em 2016. Feito de forma caseira, o compacto chamou a atenção da mídia especializada e levou ao convite para integrar o selo Valente Records – responsável por ter levado artistas como Baleia, Ventre e Terno Rei, para as periferias urbanas cariocas. Naquele momento, Felipe fazia um folk inspirado pela nova MPB.

A partir daí surgiu o disco de estreia, o homônimo “Felipe Vaz”, lançado em 2018. Musicalmente mais versátil, o álbum incorporou também elementos do samba e originou o primeiro clipe, “Entre a Gente Não Tem Mais Nós Dois”. Porém, logo após o lançamento desse trabalho, o artista não se identificava mais com aquela sonoridade. Foi a fagulha que deu início ao mergulho profundo de “Terra de Mulher Bonita”.

“Foi municiado por este sentimento, que senti a necessidade de algo que me traduzisse mais num próximo disco. Comecei a utilizar e estudar novos instrumentos e técnicas de produção, buscando novas referências. O processo de composição do segundo álbum também foi um redescobrimento pessoal e artístico, passei a imprimir esteticamente o que condizia mais com a minha afinidade e vontade artística, experimentando diferentes possibilidades”, recorda.

Liricamente, Felipe também buscou uma conexão pessoal ainda mais profunda do que revelou nos trabalhos anteriores. Com a intenção de contar histórias através das canções, o músico se apropriou como nunca antes do regionalismo latente que sempre esteve presente em tudo que criou. Já em 2018, começou a compor as novas faixas, processo que durou até o final de 2020. No ano seguinte, começou a produzir minuciosamente cada canção em estúdio.

Agora, Felipe Vaz compartilha sua “Terra de Mulher Bonita”, um trabalho profundamente pessoal e, ao mesmo tempo, universal. É uma declaração de identidade e orgulho de um artista que entende, mais do que nunca, de onde vem e onde quer chegar.

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