A vida dos trabalhadores de delivery na Baixada Fluminense durante a pandemia

Entregadores de Nova Iguaçu, Queimados, Meriti e Caxias contam percalços sobre a vida no delivery

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A vida dos trabalhadores de delivery na Baixada Fluminense durante a pandemia

“Vamos pedir algo pra comer?”

A pergunta em questão é recorrente para quem está em isolamento social. O serviço de entregas, o chamado delivery, é um dos mais populares em meio à pandemia pela qual a humanidade tem passado. É justamente por isso que a OMS (Organização Mundial da Saúde) pede que a população fique em casa. É o estilo de vida que nos acompanha há mais de um mês. Os serviços de delivery oferecem pra população pedidos da farmácia, do mercado, da loja, do armarinho, do sacolão e, naturalmente, das lanchonetes e restaurantes. Assim como garis, motoristas de ônibus, frentistas, jornalistas, militares, profissionais da saúde e outras áreas da sociedade que são essenciais, os trabalhadores de delivery também vivem a linha tênue entre proteção e exposição. Estão, sobretudo, na linha de frente do combate à pandemia.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em dados divulgados em fevereiro, cerca de 37,5% dos trabalhadores do estado do Rio de Janeiro vivem na informalidade. São vendedores ambulantes, camelôs, feirantes, catadores de material reciclável, motoristas de aplicativo e trabalhadores de delivery. São pessoas sem carteira assinada, sem cadastro de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), sem cadastro de MEI (Micro Empreendedor Individual). Muitos trabalham por até dez horas por dia. Nenhum aplicativo ou empresa que utilizam os serviços de entregadores de delivery custeia motocicleta, bicicleta, mochila, jaqueta ou capacete. A reportagem procurou saber como é a vida desses profissionais que trabalham com entrega, seja de moto, bicicleta ou caminhão, durante a pandemia do Covid-19.

Os entrevistados são Paulo Gabriel, 25 anos, de Nova Iguaçu; Wagner Wendel, 26 anos, São João de Meriti e Duque de Caxias; Welder de Paula, 28 anos, Nova Iguaçu; e Samuel de Souza, 32 anos, Queimados. A reportagem os ouviu por telefone ou presencialmente, os recebendo na porta das residências e mantendo as medidas de distanciamento.

Em Nova Iguaçu Paulo Gabriel, 25 anos, trabalha com entrega de lanches em uma hamburgueria. Paulo afirma que a pandemia mudou muito a forma de lidar com o cliente durante as entregas. Segundo ele “antigamente a gente fazia mais entregas, hoje diminuiu muito”. A identificação na afirmação de Paulo é refletida pelo número de pessoas que perderam outros empregos e passaram a trabalhar com entregas. Neste caso, maior quantidade de entregadores é proporcional ao número de entregas de quem já estava trabalhando na área antes do surto de Covid-19.

Também foi mencionada a ocorrência de roubos de moto de entregadores, principalmente no horário noturno. Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro), no ano de 2020 foram 3091 roubos de veículos até março na Baixada Fluminense. O número representa 36,92% do total da região metropolitana, que é de 8.372. Em comparação com o mesmo período do ano passado houve uma queda de 22,1%. É possível que a impressão de aumento no número de roubos constatada por Paulo Gabriel possa ser originada no fato de as ruas estarem mais vazias, a sensação de vulnerabilidade estar maior. Outra hipótese é a de que possa haver queda no número de formalização de boletim de ocorrência mesmo com aumento no número de roubos na Baixada Fluminense.

Sobre o perigo da “pista”, que é como os motoristas chamam a vida nas ruas, Wagner Wendel, 26 anos, entregador de peças de lojas de roupa em atacado em Duque de Caxias, São João de Meriti e zona norte da cidade do Rio, afirma que a quarentena tem sido muito boa e muito ruim ao mesmo tempo “porque as entregas triplicaram, mas o problema é que temos que mudar nosso jeito”.

O mundo tá girando sobre duas rodas. Pô, a pista é perigosa. O vírus é perigoso. Tá ruim pra viver.

A escolha sobre qual perigo enfrentar é um sentimento recorrente entre as pessoas que trabalham com delivery. Segundo Wagner Wendel, os problemas mais frequentes são com a “polícia colocando a arma na cara do nada achando que a gente tá errado”. Outro problema comum, segundo ele, é com a falta de perícia de outros motoristas que não acionam seta de mudança de faixa e os que costumam dirigir mexendo no celular.

Outra situação marcante é a relação de trabalho destes entregadores. Nenhum possui carteira assinada. Portanto, nenhum possui benefícios como férias, plano de saúde, décimo terceiro e até auxílio alimentação e passagem. No máximo, como afirmam, recebem alguma bonificação para abastecimento das motos. Sobre a saúde, por exemplo, em caso de afastamento ou falecimento por Covid-19 não há nenhuma segurança financeira oferecida para estes profissionais. Desta forma todos tratam o trabalho com entregas como algo temporário.

O que, afinal, mudou com a pandemia na vida dos entregadores de delivery?

Welder de Paula, 28 anos, trabalha com entrega para pizzarias em Nova Iguaçu e afirma que as condições não estão muito boas na pista e que o medo é constante. O sentimento é comum entre os trabalhadores que seguem em atividade nessa quarentena.

O trabalhador diz que as entregas aumentaram, por consequência aumenta a receita. Mas mudou, sobretudo, o modo de atendimento. Todos entrevistados relatam que os clientes estão mais receosos, exigem cuidados com higienização dos produtos. Como todos sabem, diz Wagner, temos que usar máscara, evitar botar a mão no rosto, lavar as mãos, passar álcool nas coisas. Nenhum dos entrevistados afirmou ter recebido itens de higiene das empresas para as quais prestam serviço para proteção durante a pandemia.

Outro fator citado por todos é o distanciamento. Os clientes pedem que as coisas sejam deixadas distantes ou, no mínimo, que sejam entregas velozes. Em Nova Iguaçu, Paulo Gabriel conta que o cliente pede pra o entregador deixar o lanche em algum lugar e ir embora porque ele não quer pegar o lanche da mão de quem entrega.

‘Como se a gente fosse bicho’, afirma Samuel de Souza, entregador de supermercado em Queimados. Samuel afirma que na cidade, por outro lado, a preocupação de quem trabalha com entregas está maior por conta do número alto de pessoas que não tem respeitado as medidas de proteção.

Por um lado a gente tem que se proteger pra não cair de cama, não morrer. Por outro a gente não tem como ficar sem trabalhar.

O entregador afirma que em Queimados há loja de serviço não essencial funcionando, bancos e bares com aglomerações e muito lugar sem respeitar as ordens para fechamento.

Em Nova Iguaçu, Wagner Wendel diz:

Estou falando, as pessoas não estão nem aí. Estão dando a mínima pra uma coisa que é muito séria. As pessoas não querem saber de nada até acontecer alguma coisa com alguém próximo.

Wagner conta que mora a esposa e por isso também toma precauções quando termina o expediente. “Tiro o tênis na porta, limpo a terra da rua, já entro tirando a roupa e colocando pra lavar, jogo a máscara fora, tomo banho e depois lavo a mão com álcool em gel”, conclui.

O que os profissionais do delivery imaginam pro futuro?

Em geral, todos esperam que isso tudo passe o mais rápido possível, mas pelo o que percebem a tendência é que tudo piore. Primeiro porque as pessoas estão mais em casa e isso pode parecer uma prisão, diz Samuel. Em casa e sem dinheiro a saúde mental pode ser afetada.

Samuel de Souza pede que as pessoas que puderem fiquem em casa e deixem que ele entregue as compras. E vale o risco? Samuel responde:

Não tenho escolha, tenho que trabalhar e sei que desse jeito é por pouco tempo. Mas enquanto existir esse coronavírus a gente tem que se cuidar, né? Avisa aí pro pessoal ficar em casa.

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