Rio de Janeiro: participação policial em tiroteios bate recorde em 2024

Relatório anual do Instituto Fogo Cruzado traz panorama da violência armada na região metropolitana do Rio em 2024

Por

#Tiroteio

Rio de Janeiro: participação policial em tiroteios bate recorde em 2024

Os dados do relatório anual do Instituto Fogo Cruzado, lançado nesta quarta-feira (19), evidenciam uma tendência preocupante para a população da região metropolitana do Rio de Janeiro. Mesmo com os índices de tiroteios em queda, 2024 apresentou recorde de registros com a participação policial, mostrando que a política de segurança pública permanece focada na ostensividade e no confronto.

Com uma média de sete tiroteios diários, o Grande Rio registrou 2.532 ocorrências de disparos de arma de fogo ao longo de 2024. O número, que representa uma queda de 14% em comparação com o ano anterior, quando 2.954 tiroteios foram contabilizados, é também o menor registro da série histórica do Fogo Cruzado, que desde julho de 2016 mapeia a violência armada.

Os dados mostram que ao longo dos anos, o número de tiroteios registrados na região metropolitana do Rio foi de:

  • 2017: 5.444 tiroteios

  • 2018: 9.633 tiroteios

  • 2019: 7.370 tiroteios

  • 2020: 4.585 tiroteios

  • 2021: 4.651 tiroteios

  • 2022: 3.589 tiroteios

  • 2023: 2.954 tiroteios

  • 2024: 2.532 tiroteios

O número de baleados também diminuiu em 2024. Apesar disso, houve em média quatro pessoas baleadas por dia. Ao todo, 1.566 pessoas foram baleadas na região metropolitana: 761 morreram e 805 ficaram feridas. O número de mortos teve uma queda de 21% e o de feridos, uma redução de 9% em comparação com 2023, que registrou 1.846 baleados, sendo 962 mortos e 884 feridos.

Das 1.566 pessoas baleadas na região metropolitana do Rio em 2024, 51% delas (793) foram atingidas em tiroteios durante ações e operações policiais. Em 2023, das 1.846 pessoas baleadas, 53% delas (977) foram atingidas em tiroteios durante ações e operações policiais.

Apesar da redução expressiva da violência armada, foi em 2024 a maior proporção de tiroteios policiais já registrada pelo Fogo Cruzado em oito anos. Ao menos 36% dos tiroteios estavam relacionados a operações policiais, afetando 1.968 unidades de ensino e 1.136 unidades de saúde.

  • 2017: 1.511 tiroteios em ações ou operações, 28% do total (5.444 tiroteios)

  • 2018: 2.131 tiroteios em ações ou operações, 22% do total (9.633 tiroteios)

  • 2019: 2.062 tiroteios em ações ou operações, 28% do total (7.370 tiroteios)

  • 2020: 1.178 tiroteios em ações ou operações, 26% do total (4.585 tiroteios)

  • 2021: 1.356 tiroteios em ações ou operações, 29% do total (4.651 tiroteios)

  • 2022: 1.250 tiroteios em ações ou operações, 35% do total (3.589 tiroteios)

  • 2023: 1.000 tiroteios em ações ou operações, 34% do total (2.954 tiroteios)

  • 2024: 911 tiroteios em ações ou operações, 36% do total (2.532 tiroteios)

Para Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro, os dados mostram que o argumento de que as polícias no estado estão sendo impedidas de trabalhar é falso. “Em 2024, mesmo com a redução expressiva nos tiroteios, a participação policial atingiu seu recorde, mostrando que os conflitos armados continuam sendo o principal método de trabalho das polícias. Essa estratégia há anos se mostra ineficiente. O caso emblemático do tiroteio que fechou a Avenida Brasil em outubro, talvez seja a melhor expressão disso”, avalia.

Nhanga refere-se à operação policial ocorrida na região do Complexo de Israel, em 24 de outubro. O saldo trágico da ação incluiu três trabalhadores mortos e outros três feridos por balas perdidas. A operação gerou uma série de transtornos que se estenderam muito além da Avenida Brasil: a BR-116 (Via Dutra) e a Ponte Rio-Niterói também foram fechadas; 35 linhas de ônibus regulares, o BRT Transbrasil e o Ramal Saracuruna da Supervia tiveram suas operações interrompidas; 17 unidades escolares suspenderam as aulas; e dois centros de saúde ficaram impossibilitados de atender pacientes. As imagens de motoristas, passageiros e crianças buscando proteção contra tiroteios atrás das muretas de concreto da via revelam a dimensão do trauma coletivo vivido pela população. Do ponto de vista das forças policiais, o resultado da operação resumiu-se à apreensão de duas granadas e à prisão de um suspeito, evidenciando uma desproporcionalidade entre a ação e seus impactos sociais.

Como no caso da Avenida Brasil, outros indicadores para além das vítimas, evidenciam a gravidade da violência armada no Grande Rio. Houve 268 tiroteios/disparos de arma de fogo próximos de corredores de transportes da região metropolitana do Rio (em um raio de até 100 metros), segundo dados do Relatório Anual do Instituto Fogo Cruzado. Com 170 tiroteios no seu entorno, as rodovias foram as mais afetadas, concentrando 63% dos tiroteios/disparos de arma de fogo. Em seguida, vieram os trens (73), BRTs (69), metrô (19) — somente a parte não subterrânea da Linha 2, entre a Cidade Nova e a Pavuna —, e VLT (2).

Dos 2.532 tiroteios mapeados em 2024 na região metropolitana do Rio, 27% deles (693 registros) ocorreram em um raio de 300 metros de unidade de saúde. Houve em média dois tiroteios por dia próximos a unidades de saúde do Grande Rio. Dos tiroteios mapeados no entorno das unidades de saúde, 254 (37%) ocorreram durante ações e operações policiais. Entre as vítimas, a capitã de Mar e Guerra e médica da Marinha, Gisele Mendes de Souza e Mello, de 55 anos, morreu ao levar um tiro na cabeça no Hospital Naval Marcílio Dias, na Zona Norte do Rio, no dia 10 de dezembro. No momento, ocorria uma operação policial próximo ao hospital.

Das 4.190 unidades de saúde presentes na região metropolitana do Rio, 1.136 (27%) delas foram afetadas por tiroteios no seu entorno.

Em 2024, dos 2.532 tiroteios ocorridos na região metropolitana do Rio de Janeiro, 863 (34%) ocorreram em um raio de 300 metros de escolas e creches públicas e privadas nos 21 municípios que a compõem. Para este levantamento, foram considerados somente os tiroteios ocorridos em dias letivos dentro do horário escolar. Houve em média quatro tiroteios por dia letivo no entorno de unidades de ensino. Entre eles, 397 (46%) se deram durante ações ou operações policiais.

Entre as 7.386 escolas e creches públicas e privadas nos 21 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, 1.968 (27%) foram afetadas pelos tiroteios.

O mapa da violência armada

Regiões

Entre as seis regiões que compõem o Grande Rio, a Zona Norte concentrou 39% do total de tiroteios mapeados no ano. A Baixada Fluminense teve o maior número de mortos por arma de fogo. A distribuição da violência armada em 2024 se deu da seguinte forma:

  • Zona Norte (Capital): 992 tiroteios, 213 mortos e 263 feridos

  • Zona Oeste (Capital): 589 tiroteios, 175 mortos e 163 feridos

  • Baixada Fluminense: 582 tiroteios, 247 mortos e 204 feridos

  • Leste Metropolitano: 261 tiroteios, 108 mortos e 142 feridos

  • Centro (Capital): 82 tiroteios, 12 mortos e 24 feridos

  • Zona Sul (Capital): 26 tiroteios, 6 mortos e 9 feridos

Municípios

O Rio de Janeiro concentrou 67% dos tiroteios, 53% dos mortos e 57% dos feridos mapeados em 2024. Os municípios da região metropolitana do Rio mais afetados pela violência armada foram:

  • Rio de Janeiro: 1.689 tiroteios, 406 mortos e 459 feridos

  • São João de Meriti: 159 tiroteios, 38 mortos e 42 feridos

  • São Gonçalo: 138 tiroteios, 38 mortos e 88 feridos

  • Duque de Caxias: 109 tiroteios, 42 mortos e 46 feridos

  • Belford Roxo: 94 tiroteios, 49 mortos e 33 feridos

Bairros

O bairro de Vila Isabel, na Zona Norte da capital, há mais de um ano sofre com constantes tiroteios. O que os moradores da região viram ao longo de 2024 se refletiu também no relatório anual do Fogo Cruzado, que mostra que Vila Isabel ocupa o primeiro lugar no ranking entre os bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro que mais foram afetados pela violência armada em 2024:

  • Vila Isabel (Rio de Janeiro): 88 tiroteios, 20 mortos e 12 feridos

  • Brás de Pina (Rio de Janeiro): 79 tiroteios, 5 mortos e 13 feridos

  • Éden (São João de Meriti): 77 tiroteios, 8 mortos e 1 ferido

  • Itanhangá (Rio de Janeiro): 72 tiroteios, 17 mortos e 12 feridos

  • Maré (Rio de Janeiro): 69 tiroteios, 23 mortos e 19 feridos

A violência em Vila Isabel atingiu seu pico em 2024, com um aumento de 252% em comparação com 2023, sendo maior que o registrado nos últimos oito anos. Ao longo dos anos, Vila Isabel registrou:

  • 2017: 40 tiroteios

  • 2018: 51 tiroteios

  • 2019: 55 tiroteios

  • 2020: 41 tiroteios

  • 2021: 56 tiroteios

  • 2022: 55 tiroteios

  • 2023: 25 tiroteios

  • 2024: 88 tiroteios

Dos 88 tiroteios ocorridos em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, 39 deles se deram em meio a disputas entre grupos armados. Ao todo, 2024 bateu recorde de tiroteios na região metropolitana do Rio motivados por disputas entre facções e milícias. Foram 217 registros, sendo 18% deles somente em Vila Isabel.

  • 2017: 95 tiroteios e 104 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2018: 121 tiroteios e 109 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2019: 73 tiroteios e 54 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2020: 38 tiroteios e 52 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2021: 114 tiroteios e 72 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2022: 112 tiroteios e 104 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2023: 174 tiroteios e 129 baleados em disputas entre grupos armados

  • 2024: 217 tiroteios e 177 baleados em disputas entre grupos armados

Locais

Ao menos 141 pessoas foram baleadas quando estavam dentro de automóveis, outras 78 foram atingidas quando estavam dentro de bares e 32 foram baleadas quando estavam dentro de casa. Houve ainda 18 pessoas baleadas quando participavam de eventos, 13 atingidas dentro de transporte público, seis pessoas baleadas quando estavam em postos de combustível, cinco dentro de barbearias e uma atingida dentro de uma unidade de ensino.

O perfil da violência armada

Vítimas por faixa etária

Apesar dos tiroteios em queda, a violência armada contra crianças atingiu seu recorde em 2024. Foram 26 crianças baleadas no ano, o maior índice dos últimos oito anos.

  • 2017: 19 crianças baleadas — 7 mortas e 12 feridas

  • 2018): 25 crianças baleadas — 4 mortas e 21 feridas

  • 2019: 23 crianças baleadas — 6 mortas e 17 feridas

  • 2020: 22 crianças baleadas — 8 mortas e 14 feridas

  • 2021: 17 crianças baleadas — 4 mortas e 13 feridas

  • 2022: 8 crianças baleadas — 2 mortas e 6 feridas

  • 2023: 25 crianças baleadas — 10 mortas e 15 feridas

  • 2024: 26 crianças baleadas — 4 mortas e 22 feridas

Houve ainda 38 adolescentes, 1.452 adultos e 46 idosos baleados em 2024. Deste número, 19 adolescentes, 712 adultos e 25 idosos morreram. Em 2023, 45 adolescentes, 1.703 adultos e 46 idosos foram baleados, dos quais 23 adolescentes, 898 adultos e 22 idosos morreram.

Agentes de segurança

Ao menos 114 agentes de segurança foram baleados na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2024, entre as vítimas, 43 morreram e 71 ficaram feridos. Dos 114 agentes de segurança baleados no ano, 66 foram atingidos quando estavam fora de serviço (58%). Outros 41 foram atingidos em serviço (36%) e seis baleados eram aposentados/exonerados do cargo (5%). Houve ainda um agente de segurança que não teve o status de serviço identificado (1%).

Os policiais militares foram os mais afetados pela violência armada. Dos 114 agentes de segurança, 83 pertenciam à categoria, o que representa 73% dos agentes baleados.

Em 2023, 134 agentes de segurança foram baleados, 60 morreram e 74 ficaram feridos.

Trabalhadores informais

Ao menos 18 entregadores/motoboys/mototaxistas, 17 motoristas de aplicativo e um vendedor ambulante foram baleados no Grande Rio em 2024. Em 2023, 37 entregadores/motoboys/mototaxistas, 11 motoristas de aplicativo e 10 vendedores ambulantes foram baleados no Grande Rio.

Contexto

Chacinas

Houve 47 chacinas na região metropolitana do Rio em 2024 que deixaram 163 pessoas mortas. Entre as chacinas mapeadas no ano, 60% delas (28) foram durante ações ou operações policiais, deixando 99 civis mortos – o que representa 61% dos mortos em chacinas.

O número de chacinas mapeadas em 2024 é o mesmo registrado em 2023, que concentrou 47 chacinas com 176 mortos no total – sendo 29 delas (63%) em operações policiais que deixaram 117 mortos (66%).

Balas perdidas

Em 2024, 111 pessoas foram vítimas de balas perdidas na região metropolitana do Rio de Janeiro: 27 morreram e 84 ficaram feridas. Em 2023, foram 130 vítimas (42 mortas e 88 feridas).

Entre as 111 vítimas de balas perdidas mapeadas em 2024, 62 foram atingidas durante ações e operações policiais, o que representa 56% das vítimas de balas perdidas.

Motivos

Os principais motivos dos disparos de arma de fogo na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2024 foram: Ação/Operação policial (911); Homicídio/Tentativa de homicídio (289); Roubo/Tentativa de roubo (243); Disputa entre grupos armados (217); e Ataque a civis (36).

SOBRE O FOGO CRUZADO

O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida.

Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 50 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife, de Salvador e de Belém.

Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.

No seu email

Os principais assuntos da Baixada Fluminense gratuitamente no seu email. Sem spam.

Site da Baixada
Site da Baixada

FREE
VIEW